O futebol não é estanque. Em Portugal muitos foram os casos de jogadores que, ocupando originalmente uma posição no terreno, foram evoluindo para se tornarem em polivalentes ou, em último caso, passarem a actuar exclusivamente numa posição distinta da original, e com excelentes resultados. Talvez o exemplo mais extremo, por cá – e entramos agora em “modo velhotes” -, seja o de Ivaylo Iordanov, do Sporting, que chegou como ponta-de-lança, mas acabou por fazer muitas outras posições, de extremo a médio-defensivo e até defesa-central.
No futebol mundial, a valorização da polivalência é cada vez maior, pelo que juntámos um Top 10 de jogadores de renome que, nos últimos anos, derivaram de uma posição para outra(s), sem deixar créditos por mãos alheias. Em alguns casos, essa transformação fica bem patente nos próprios “heat maps” das épocas realizadas pelos “craques” da adaptação. Eis alguns casos que exemplificam esta tendência.
🇫🇷 Anthony Martial
Mónaco – Manchester United
Extremo-direito – Ponta-de-lança
O francês chegou ao United proveniente do Mónaco ainda no reinado de Louis Van Gaal, com o peso de uma transferência de €80M que o tornava num dos mais caros jogadores do Mundo. O desconcertante extremo-esquerdo foi mostrando-se intermitente aos vários treinadores dos “red devils” que, aos poucos, foram percebendo as vantagens da sua mobilidade e faro pelo golo. Até que na época passada, Solskjaer decidiu colocá-lo a ponta-de-lança, com Martial a melhorar substancialmente a sua produtividade. Resta saber se é desta que mostra consistência a longo prazo, algo que lhe tem faltado.
🇧🇷 Danilo Luiz
Porto – Manchester City – Juventus
Médio-direito – Lateral-direito/esquerdo – Defesa-central
Talvez o leitor não se recorde, mas nós temos obrigação disso. Antes de ser contratado pelo FC Porto ao Santos, Danilo Luiz foi cobiçado pelo Benfica, supostamente para cobrir a vaga deixada em aberto por Ramires no lado direito do meio-campo. O internacional brasileiro chegou à Europa assim mesmo, com rótulo de médio-direito polivalente, com passagens pela lateral do mesmo lado, e foi aí que se fixou nos “dragões” durante quatro temporadas, antes de ser “fisgado” pelo Real Madrid. Nos “merengues” manteve a posição, tal como no Manchester City, embora aí começasse a ser utilizado regularmente a lateral-esquerdo. O mesmo se passou na primeira temporada na Juventus, mas agora, o antigo médio está a deixar excelentes indicações a defesa-central na equipa de Andrea Pirlo.
🇦🇹 David Alaba
Bayern – Áustria
Lateral-esquerdo – Médio-esquerdo – Médio-ofensivo – Defesa-central
Este é, talvez, o caso mais gritante no futebol mundial na última dezena de anos. O lateral-esquerdo austríaco fez nome na posição, mas a sua qualidade acima da média levou-o a assumir um protagonismo especial na sua selecção. Primeiro a médio/extremo-esquerdo. Depois como médio-criativo, o homem incumbido de marcar golos e de servir os seus companheiros de ataque. Essas experiências (bem-sucedidas) na Áustria mantêm-se e, por exemplo, na qualificação para o Euro 2020, Alaba foi utilizado principalmente como extremo do lado canhoto. Ao mesmo tempo, no Bayern, Hans-Dieter Flick adaptou o austríaco à ascensão meteórica do canadiano Alphonso Davies (também ele um extremo de origem e agora um dos melhores laterais-esquerdos do Mundo, apesar dos seus 20 anos), e atirou Alaba para defesa-central, onde foi preponderante na última época de grande sucesso dos bávaros a nível nacional e europeu.
🇲🇽 Jesús Corona
Porto – México
Extremo-direito – Extremo-esquerdo – Lateral-direito
A ascensão de Tecatico a uma das principais figuras do FC Porto demorou o seu tempo, mas hoje é indiscutível a sua preponderância. Desde Julen Lopetegui que o mexicano era uma das opções consistentes para extremo-direito, com algumas incursões do lado canhoto. Com Sérgio Conceição, não só a evolução de Corona deu um salto, como aconteceu ao mesmo tempo que apurou as suas qualidades defensivas, tendo-se tornado num lateral-direito de grande qualidade, em especial em 2019/20. Neste arranque de época, porém, parece regressado ao seu posto original, mas Corona ganhou novas competências e posições, e sempre com desempenhos de nível.
🇨🇴 Juan Cuadrado
Fiorentina – Chelsea – Juventus – Colômbia
Extremo-direito – Lateral-direito
No Chelsea, com José Mourinho, o extremo pouco mostrou, depois de ter três épocas de grande qualidade na Fiorentina. O empréstimo à Juventus fez-lhe bem e tornou-se numa mudança definitiva, pelo que está na sua sexta temporada na “vecchia signora”. Sempre um extremo-direito com golo, drible e assistências, as suas últimas épocas trouxeram novidades, com Maurizio Sarri a colocá-lo a lateral-direito com grande sucesso. Ao ponto de essa posição ser, agora, uma das que ocupa mais regularmente também na selecção da Colômbia, na qual Carlos Queiroz seguiu a tendência – foi ainda mais longe e chegou a utilizá-lo como médio-centro.
🇦🇷 Marcos Acuña
Sporting – Sevilla – Argentina
Extremo-esquerdo – Médio-esquerdo – Lateral-esquerdo
Quando chegou ao Sporting, em 2017/18 era um extremo/médio-esquerdo puro, com fama de realizar cruzamentos mortíferos e muitas assistências, características às quais aliava uma garra e capacidade de luta invejáveis. Estas últimas valências levaram os treinadores que passaram pelo Sporting a ver nele um jogador importante para tarefas defensivas. Acuña chegou a ser testado a médio-centro, para a “guerra” do meio-campo, mas as suas características de ala acabaram por ditar o recuo para lateral-esquerdo, numa defesa a quatro ou fazendo todo o corredor numa defesa com três centrais – chegou a ser, aliás, testado por Rúben Amorim como central do lado esquerdo. A sua mudança para o Sevilla, de Lopetegui, só veio confirmar a mudança para a posição, que ocupa também, por vezes, na selecção argentina.
🇪🇸 Marcos Llorente
Alavés – Real Madrid – Atlético de Madrid
Médio-defensivo – Médio-centro – Extremo-direito
O espanhol fazia lembrar Fernando Redondo quando apareceu no Real Madrid (clube onde foi formado), a “trinco”, e fez a posição no Alavés com grande competência. Tal originou o regresso aos “merengues”, onde nunca teve espaço para vingar. Aproveitou o rival Atlético para o contratar e, aqui, com Diego Simeone, começou a sua transformação. De médio-defensivo, passou a jogar inúmeras vezes em posições mais adiantadas, a médio-centro com grande capacidade de integração no ataque. E neste momento é uma das opções para médio/extremo-direito, onde mostra uma veia goleadora assinalável. Está um jogador muito diferente do que era há três/quatro anos.
🇳🇱 Memphis Depay
Manchester United – Lyon – Holanda
Extremo-Esquerdo – Ponta-de-lança
A sua passagem de somente uma época pelo Manchester United foi tudo menos positiva. A mudança para o Lyon, de França, acabou por ser o melhor que aconteceu ao holandês. Nos gauleses – tal como na selecção “laranja” – assumiu o seu lugar natural a extremo-esquerdo, mas a sua qualidade extra e faro pelo golo levaram a que, aos poucos, em especial a partir de 2019/20, passasse a ocupar zonas mais centrais, de médio-ofensivo a ponta-de-lança móvel, posição em que é mais utilizado agora no Lyon e na Holanda. E com sucesso.
🇳🇱 Nathan Aké
Chelsea – Bournemouth – Manchester City
Médio-defensivo – Defesa-central
O holandês, formado no Feyenoord e no Chelsea, não vingou nos “blues”. Originalmente um médio-defensivo com grande raio de acção, começou a dar nas vistas a defesa-central ao serviço do Bournemouth, que o adquiriu a título definitivo junto dos londrinos em 2017/18. Nesta posição cimentou nome e competências, ao ponto de o Manchester City avançar para a sua aquisição esta temporada pela módica quantia de €45,3M. Ainda não é um indiscutível na equipa de Pep Guardiola, mas mantém a posição de defesa-central quando é chamado, embora tenha já sido também utilizado a lateral-esquerdo e direito.
🇪🇸 Thiago Alcântara
Barcelona – Bayern – Liverpool – Espanha
Médio-ofensivo – Médio-centro – Médio-defensivo
Outro jogador com uma transformação admirável é o hispano-brasileiro Thiago Alcântara. Quando surgiu na famosa equipa do Barcelona onde pontificavam Lionel Messi, Xavi Hernández e Andrés Iniesta, Thiago era sobretudo um médio-ofensivo, com uma visão de jogo e técnica admiráveis. A saída para o Bayern, em parte porque era difícil jogar com tanta regularidade numa equipa com estrelas lendárias como aquele trio, abriu-lhe a possibilidade de elevar o seu jogo para outro nível. Aos poucos foi recuando no terreno, sendo o cérebro de todo o jogo bávaro a partir de trás, graças à sua visão de jogo, qualidade de passe e inteligência. Assumiu, aos poucos, a posição de médio-centro – algo para que, aparentemente, Jürgen Klopp o reserva no Liverpool… quando debelar as lesões -, mas nos últimos tempos foi mesmo um médio-defensivo de grande qualidade em Munique.