A análise ao Manchester City que desafia Alvalade

-

Esta terça-feira o palco do Estádio José Alvalade XXI acolhe o Manchester City. Na antecâmara da recepção aos “cityzens”, vamos esmiuçar e medir o pulso às inúmeras forças, mas também às lacunas do conjunto onde pontificam os lusos Rúben Dias, João Cancelo e Bernardo Silva. De que forma é que os “boys” de Rúben Amorim poderão desmontar a imensidão de recursos que Pep Guardiola têm à disposição? Terá o jovem técnico alguma carta escondida na manga? Aos nossos habituais analytics juntamos também a análise cuidada de Luís Catarino.

Olhando para o “onze”-tipo delineado por Guardiola, é provável que os ingleses se apresentem em Lisboa com Ederson na baliza, John Stones (Kyle Walker vai cumprir castigo após ter sido expulso diante do Leipzig), Rúben Dias, Laporte e João Cancelo na linha defensiva. Rodri, Bernardo Silva, Kevin De Bruyne, Sterling, Foden e Mahrez. O segredo poderá estar na forma como travar o “falso 9”.

[ Os ratings do último jogo do Manchester City, a visita ao Norwich, na Premier League ]

GoalPoint-Norwich-Man-City-English-Premier-League-202122-Ratings
Clique para ampliar

“O sistema do Rúben Amorim defende, na maior parte da temporada, em 5-2-3, mas contra o Manchester City, é provável que o ponta-de-lança do Sporting tente afastar o “trinco” do City (Rodri) e que o Sarabia e o Pedro Gonçalves (caso recupere de lesão) tenham de fechar mais próximos dos dois médios-centro leoninos, em 5-4-1, esperando que as possibilidades dos criadores de jogo do City fiquem mais reduzidas no meio. O Sporting deve estar mentalizado para passar muito tempo a aguentar as posições dos cinco defesas, para não dar folga aos extremos dribladores dos ingleses, por isso vão precisar de um contributo inexcedível do Sarabia e Pedro Gonçalves para blindar o espaço por fora dos dois centrocampistas do Sporting na fase defensiva“, começou por nos explicar Luís Catarino.

[ As redes de passe e posicionamentos médios do Sporting na Liga Bwin (esq.) e UCL 21/22 ]

É provável que o City procure frequentemente o ‘falso 9’ fora da esfera do Coates, aparecendo ao lado dos dois médios do Sporting, tentando logo aí vantagem numérica nos três quartos do campo. Claro que a acção atacante dos defesas-laterais do City, numa zona interior do campo, pode atrair ocasionalmente Sarabia e Pedro Gonçalves para fora de pé (para os desalinhar de Matheus Nunes e João Palhinha, por exemplo). Por essa razão, vão ter de estudar bem os momentos. Porque se os dois médios-ofensivos do Sporting pressionarem em falso, pode aparecer logo o ‘falso 9’ do City nas suas costas e, a partir daí, cai tudo em dominó. Em ataque, penso que Matheus Nunes pode ter movimentos de desmarcação que surpreendam o Manchester City, no espaço aberto pelos defesas-laterais dos ingleses”, acrescenta o comentador, em declarações ao nosso “site”.

[ As redes de passe e posicionamentos médios do City na Premier League (esq.) e UCL 21/22 ]

O regresso às origens

“Guardiola fez a reflexão e a alteração na altura certa, a ponto de ainda ter sido campeão em 2020/21. Desde a segunda volta da época passada que o Manchester City percebeu que tinha de mudar. Voltou a afirmar-se numa condição dominante, reaprendendo a valorizar a bola e a dar protagonismo aos centrocampistas e a todos os outros jogadores que pensem o jogo com cabeça de centrocampistas”, observa Catarino, referindo-se ao regresso à base de Guardiola, que recuperou o 1x4x3x3 e várias das bases que sustentam as ideias que sempre preconizou, entre as quais a valorização da posse de bola, exploração dos três corredores e pressão intensa e bem mecanizada.

“Apesar de continuarem a recorrer à definição prática do De Bruyne – em poucos segundos define um jogo com uma condução explosiva, um passe que abre o campo todo ou um remate preciso -, o City, genericamente, tornou-se menos apressado e mais metódico para desenvolver a situação óptima de finalização, recuperando a identidade do futebol que lhe assegurou o bicampeonato, ainda com o Sané”, acrescenta o analista ao GoalPoint.

[ A época de Kevin De Bruyne na EPL (esq.) e UCL 21/22 ]

“Bernardo Silva é um absoluto fora-de-série na tomada de decisão”
Luís Catarino, Analista e Comentador

Para o especialista em futebol, os médios exercem um papel fulcral no esquema desenhado por Guardiola, realçando a mestria de Bernardo Silva, autor de oito golos, duas assistências e 32 jogos nas pernas em provas oficiais com as cores do City até ao momento em 2021/22.

“Atacar com extremos mais abertos em articulação com defesas-laterais invertidos foi um dos traços que deu azo a que o Gündogan, na época passada, e o Bernardo Silva, na presente edição, estivessem muito mais habilitados a preencher a zona de remate com movimentos de rotura, algo que convinha ser recuperado desde a saída do David Silva. O Bernardo tem sido, provavelmente, o mais fascinante de todos os jogadores do City na temporada. Sai-se muito bem em todos os parâmetros e comprova aquilo que já vinha achando há uns anos, até quando faltou De Bruyne depois do Mundial na Rússia. O Bernardo é bem superior a interpretar o jogo como médio, no corredor central, a falso 9 ou a centrocampista mais à frente ou mais atrás.”

“Salta e destrói jogo com bravura e desloca-se com velocidade na recuperação. Controla, roda, entende, passa, corre, transporta, dribla, abre, rompe, remata. É um absoluto fora-de-série na tomada de decisão e a bola deve chegar-lhe o maior número de vezes possível para ele filtrar. É um dos médios mais completos da actualidade. Talvez já não apareça tantas vezes nos resumos de dois minutos porque joga mais atrás, mas, vendo os jogos integrais, dá para perceber que o contributo é fabuloso. Como extremo vai ser sempre um jogador muito bom, mas não vai capitalizar as suas melhores características”, detalha Catarino.

[ Passes para finalização (esq.), heatmap (ctr.) e conduções aproximativas/dribles/faltas sofridas por Bernardo silva na EPL 21/22 ]

Além de Bernardo Silva, João Cancelo – 32 partidas e três golos – e Rúben Dias – 30 jogos e dois tentos – também têm estado “on fire” e são outras das peças que fazem com que o puzzle “cityzen” funcione quase na perfeição.

As estatísticas do João Cancelo demonstram que é um dos principais criadores de jogo da Premier League, mesmo tendo a posição-base de defesa-lateral. Incorporando uma zona mais central à esquerda ou à direita do médio-defensivo, a bola passa muito pelo João Cancelo e este oferece garantias, por exemplo, na medida em que efectua o passe mais exigente para a frente a solicitar os atacantes. Mesmo que não dê logo golo, costuma favorecer um bom encadeamento em pré-assistência”, referindo-se às oito assistências que o lateral já colecciona esta época (entre Premier League e Champions).

“Ele tem potência para controlar defensivamente na reconquista da bola, devidamente posicionado numa zona interior do campo que lhe permite bloquear uma série de contra-ataques do adversário – algo que também é pedido ao Rúben Dias com adiantamento para perto do avançado adversário. E é essa presença mais central do Cancelo que serve de muleta para que os médios não se sintam condicionados nos avanços, podendo atacar mais livremente para a grande área e aproveitar o espaço aberto por um falso 9. O Gündogan beneficia disso.”, explica Luís Catarino.

[ Os números de João Cancelo na Premier League (esq.) e Champions 21/22 ]

Com a defesa tão subida, muitas vezes na linha do meio-campo, o Sporting poderá explorar um dos seus pontos mais fortes, o ataque à profundidade – e uma das fraquezas do adversário, o espaço concedido entre central e lateral e alguma lentidão os centrais em defender as “costas” – e fazer mossa no último reduto dos ingleses.

Com a saída de Sergio “Kun” Agüero e com Gabriel Jesus mais utilizado nos corredores, os líderes da Premier League têm actuado sem um ponta-de-lança digno dessas características. A ausência de um goleador não retira poder ofensivo à equipa, que em 36 encontros oficiais apontou 93 golos.

“Guardiola tem vindo a definir frequentemente um sistema sem um ponta-de-lança muito rígido. A ideia de ‘falso 9’ reforça a mobilidade elevada para assegurar vantagem numérica nos três corredores do ataque, sendo o Foden, o Bernardo e Palmer três dos que melhor funcionaram nessa função que é muito difícil para o adversário vigiar, uma vez que são inteligentes para deambularem nas costas dos médios adversários e mostrarem-se no espaço e tempo certos para alimentar a troca de bola”, finaliza o comentador.

Lançadas as fichas, vamos ver como irá terminar o primeiro “round” neste confronto. Conseguirão os “leões” repetir a façanha de 2011/12, quando eliminaram o milionário “Golias” inglês nos oitavos-de-final da Liga Europa?

Leonel Gomes
Leonel Gomes
Amante das letras, já escreveu nos jornais A Bola, Público e o O Jogo, dedicando-se também ao Social Media Management desde 2014. Tornou-se GoalPointer na "janela de mercado" do verão de 2019.