A segunda vida de Leroy, o insaciável Sané 🇩🇪

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LEROY Sané foi uma espécie de diabo à solta no palco do Estádio da Luz na última quarta-feira, com dois golos e uma assistência para o tento de Lewandowski. Para mal dos pecados de Jesus, “Saná”, perdão, Sané escreveu apenas mais um capítulo numa época que tem sido de afirmação e transformação. E é para essa transformação que vamos olhar.

No regresso à Bundesliga na temporada transcorrida, o internacional alemão esteve algum tempo fora-de-jogo devido a problemas físicos, mas mesmo assim apresentou números apreciáveis – 44 partidas em todas as provas, dez golos e outras tantas assistências. Voltando às incidências da Luz, como ponto de partida para esta análise, o germânico foi o principal agitador de um colectivo que funciona quase na perfeição e coleccionou os seguintes números: ao bis e assistência já citados, gizou três passes para finalização, quatro conduções aproximativas, uma eficácia de passe de 92%, acertou dois dos três dribles que arriscou, uns impressionantes nove passes aproximativos recebidos e o merecido título de MVP do duelo.

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É certo que Julian Nagelsmann está ao leme do gigante da Baviera há poucos meses, mas é justo reconhecer o dedo do jovem treinador nesta nova versão do dianteiro que, aos 25 anos, descobriu uma nova fórmula para colocar em prática todo o vasto recurso de soluções que possui. Com o antigo treinador do Leipzig, Leroy passou a pisar outras zonas do terreno, actuando mais na zona central, dá o flanco (literalmente) ao habitual titular Alphonso Davies (frente ao Benfica jogou Lucas Hernández) e, desta forma, participa mais nas acções da equipa, que não fica coxa, antes pelo contrário – já que Davies ou Lucas, pelo lado canhoto, e Coman ou Gnabry no flanco oposto, dão a amplitude e verticalidade que tanto caracterizam o desenho do Bayern há vários anos.

Com a rápida e agilidade que se lhe reconhecem, imprime velocidade e técnica apurada em espaços mais reduzidos, surgindo mais vezes no espaço entre linhas e em zonas de finalização, além disso, acrescenta profundidade e imprevisibilidade nesta nova função a jogar mais por dentro e próximo de Lewandowski e protegido por Kimmich e Leon Goretzka (no embate da terceira ronda do Grupo E actuou
Marcel Sabitzer face à ausência de antigo jogador do Schalke 04). No 1x4x2x3x1 com que os bávaros de perfilaram em solo lusitano, surgiu no corredor esquerdo mas com total liberdade de movimento. O resultado foi aquilo que se viu…

A locomotiva dos “citizens” de Pep Guardiola

Se algo caracterizou a passagem de quatro épocas de Sané pelo Manchester City foram as inúmeras vezes em que aparecia colado à linha e, quando embalava em velocidade, dificilmente conseguia ser travado. Pep Guardiola agradecia os truques do alemão e soube aproveitar a fantasia deste para construir uma máquina de ataque que quase tudo “limpou” em 2018/19, falhando apenas o assalto à Liga dos Campeões.

[ O desempenho acumulado de Sané na Premier League 18/19 ]

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Qual locomotiva, o germânico foi peça-chave do City, marcando (dez tiros certeiros em 31 jornadas), assistindo (dez passes para golo), mais de dois remates de bola corrida a cada 90 minutos, quase dois passes para finalização de bola corrida, 1,2 acções defensivas no meio-campo do opositor e uma média de cinco dribles tentados. Como se observa claramente pelos mapas de acções em posse (em baixo à esquerda) e de conduções aproximativas (linhas tracejadas) e dribles (estrelas), era no flanco esquerdo que Sané brilhava, um “espartilho” que esta temporada lhe foi retirado para “explodir” em definitivo no Bayern. Mas já lá vamos.

[ Acções em posse (esq.) e as conduções aproximativas (tracejados) – linhas que mostram redução de distância para a baliza em pelo menos 25% e pelo menos dez metros” -, dribles (estrelas) e faltas sofridas (setas) na EPL 18/19 ]

A 8 de Agosto de 2019, o versátil avançado lesionou-se com gravidade no encontro da Supertaça inglesa diante do Liverpool e contraiu uma rotura do ligamento cruzado do joelho direito que o deixou fora de combate largos meses. Regressou após longa inactividade aos relvados a 22 de Junho de 2020 e jogou 11 minutos na goleado imposta pelo City ao Burnley. Foi o último jogo oficial com a camisola do Manchester City pelo qual marcou 39 golos, fez 45 assistências e 135 aparições em partidas oficiais. Em quatro épocas em Inglaterra, festejou dois títulos de campeão da Premier League, ganhou duas Supertaças, duas edições da Taça da Liga e uma Taça de Inglaterra.

“Aprendi muito com Pep Guardiola. Ele teve uma grande influência no meu desenvolvimento no Manchester City e eu não poderia imaginar ter tido um treinador melhor do que ele”, afirmou o atleta.

Lesões marcam época de estreia no Bayern 

No Verão de 2020, o então campeão europeu quis reforçar o plantel e aproveitou o facto de o vínculo com o City estas prestes a terminar para o resgatar por “apenas” €45. Um desejo de Hansi Flick que se concretizou após um longo “namoro”.

[ O desempenho acumulado de Sané na Bundesliga 20/21 ]

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Porém, Sané passou por algumas dificuldades de integração – quase sempre actuou no flanco direito -, entre lesões e exibições menos conseguidas, nunca foi um titular indiscutível, mas mesmo assim coleccionou números que não são para qualquer um. Realce para 2,6 remates de bola corrida a cada 90 minutos e quase seis tentativas de drible (54% foram feitos com eficácia).

[ Acções em posse (esq.) e as conduções aproximativas (tracejados), dribles (estrelas) e faltas sofridas (setas) na Bundesliga em 20/21 ]

Nos dois mapas, é possível ver os terrenos pisados pelo internacional alemão. Sobre o lado direito, a intenção era que explorasse as diagonais para o centro e dessa forma pudesse “puxar” pelo pé mais forte, o esquerdo. Ao lado, verificamos que estava mais “amarrado” à linha e foi quase sempre pela direita que tentou criar perigo. Quando o Bayern caiu aos pés do PSG nos quartos-de-final da última edição da Liga dos Campeões, subiram de tom as críticas a Sané. “Ele não está preparado para dar o ritmo num jogo como Arjen Robben ou Franck Ribéry”, disse o antigo jogador dos bávaros, Mehmet Scholl, ao jornal Bild na ocasião.

Um furacão chamado Sané  

Leroy ganhou um novo fôlego e novas funções desde que Nagelsmann assumiu o comando técnico do Bayern. Primeiro voltou a ganhar os galões para soltar toda a sua magia na esquerda, depois foi desafiado a pisar terrenos até então desconhecidos e tem correspondido à confiança e novo “status” com exibições cintilantes e letais.

[ Os desempenhos acumulados de Sané na Bundesliga (à esquerda) e Champions 21/22 ]

“Leroy tem uma qualidade excelente. Ele tem uma velocidade incrível, é um dos melhores nas jogadas de um-contra-um e incrivelmente forte no drible. Não sou um bruxo ou mágico, mas nos treinos iremos mostrar-lhe os espaços e onde ele deve estar. Estou convencido de que veremos um Leroy mais forte e melhor. Só posso apoiar os jogadores, treiná-los bem e dar-lhes instruções decentes e tentar mostrar-lhes a direcção certa, mas são eles que devem dar os passos”, acrescentou Nagelsmann, na conferência de Imprensa quando foi apresentado como novo treinador do Bayern. A profecia parece estar a realizar-se.

Até ao momento, o “revigorado” Sané tem estado imparável, com 13 partidas em todas as provas, seis golos assinados e oito assistências nos 893 de minutos de utilização que contabiliza em todas as competições.

[ Acções em posse e as conduções aproximativas (tracejados), dribles (estrelas) e faltas sofridas (setas) na Bundesliga (esq.) e UCL (dta.) 21/22 ]

Como se escreve “liberdade” em alemão? – é “Freiheit” não precisam ir confirmar! A evolução do jogador de 25 anos ganha outra expressão se olharmos com pormenor para os quatro quadros aqui colocados. Verificamos que está em todo o lado, começa na esquerda, mas ganha asas para encontrar a melhor zona do terreno e desferir o “veneno” que tem nas chuteiras, com grande preponderância de acções com bola e conduções na zona central do terreno. Com todo este arsenal de soluções – rapidez, técnica, agilidade e criatividade -, é difícil controlá-lo como se tem verificado até agora e está aqui a “poção mágica” que lhe permitiu dar um salto evolutivo de qualidade sob as ordens de Nagelsmann.

“Sou um treinador que quer defender a variabilidade e também exigir aos jogadores que actuem em diferentes posições. Isso também se aplica a Leroy. É claro que, como treinador, deves sempre considerar que o jogador jogue na posição em que se sente mais confortável e, assim, consegue trazer todo o seu potencial para o campo. Claro que haverá momentos em que jogará na direita. Por exemplo, contra o Hertha [goleada de 5-0], mudámos a posição dele em alguns momentos e colocámo-lo entre os centrais. Essa é outra posição que lhe cai bem. Leroy tem qualidade para ser importante em qualquer lugar do campo”, sentenciou há poucas semanas o jovem timoneiro de 34 anos.

E recordar que no dia 22 de Agosto, Sané foi assobiado pelos sócios e adeptos do Bayern após ter tido uma “performance” menos conseguida no suado triunfo diante do Colónia por 3-2.

“Não gostei do que aconteceu. Tive pena dele. Tentou sempre fazer o melhor, mas falta-lhe confiança. Sané não realizou uma boa temporada passada e isso não ajuda. Nagelsmann tem de tentar colocá-lo no caminho certo. É uma situação semelhante ao que aconteceu com Arjen Robben. Ele até quis sair, mas nós reconstruimos a equipa e não permitimos a sua saída. Um ano depois, ele foi decisivo”, realçou o CEO bávaro, Karl-Heinz Rummenigge, em entrevista ao Bild. Palavras proféticas.

Leonel Gomes
Leonel Gomes
Amante das letras, já escreveu nos jornais A Bola, Público e o O Jogo, dedicando-se também ao Social Media Management desde 2014. Tornou-se GoalPointer na "janela de mercado" do verão de 2019.