É costume dizer-se que um jogo de futebol tem quatro momentos: organização ofensiva, organização defensiva, transição ofensiva e transição defensiva. De uma bem trabalhada equipa de futebol é esperado, e bem, que seja forte nestes quatro parâmetros.
No entanto, há quem defenda que a estes quatro momentos se deve juntar um quinto: as bolas paradas. A melhor forma de tirar as teimas será a de calcular a verdadeira importância destes (muitas vezes desconsiderados) momentos do jogo para o resultado final das partidas? Vejamos qual é distribuição dos vários tipos de golo nos principais campeonatos europeus.[/vc_column_text][vc_table vc_table_theme=”classic”][bg#000000;c#ffffff]Tipo%20de%20jogada,[align-center;b;bg#000000;c#ffffff]%F0%9F%8F%B4%F3%A0%81%A7%F3%A0%81%A2%F3%A0%81%A5%F3%A0%81%AE%F3%A0%81%A7%F3%A0%81%BF,[align-center;b;bg#000000;c#ffffff]%F0%9F%87%AA%F0%9F%87%B8,[align-center;b;bg#000000;c#ffffff]%F0%9F%87%A9%F0%9F%87%AA,[align-center;b;bg#000000;c#ffffff]%F0%9F%87%AE%F0%9F%87%B9,[align-center;b;bg#000000;c#ffffff]%F0%9F%87%AB%F0%9F%87%B7,[align-center;b;bg#000000;c#ffffff]%F0%9F%87%B5%F0%9F%87%B9,[align-center;b;bg#000000;c#ffffff]%F0%9F%87%AA%F0%9F%87%BA|Bola%20corrida,[align-center]62.9%25,[align-center]62.2%25,[align-center;bg#caffa5]65.7%25,[align-center]64.0%25,[align-center]61.8%25,[align-center;bg#ffd1d1]59.3%25,[align-center;b]62.7%25|Contra-ataque,[align-center]6.3%25,[align-center]6.0%25,[align-center;bg#c7ffa0]8.4%25,[align-center]5.2%25,[align-center]7.6%25,[align-center;bg#ffd1d1]3.6%25,[align-center;b]6.3%25|Pen%C3%A1lti,[align-center]7.8%25,[align-center]10.8%25,[align-center;bg#ffd3d3]7.6%25,[align-center]9.5%25,[align-center]10.5%25,[align-center;bg#caffa5]12.2%25,[align-center;b]9.6%25|Livre%20directo,[align-center]2.1%25,[align-center;bg#cdffaa]3.3%25,[align-center]2.3%25,[align-center;bg#ffd6d6]2.1%25,[align-center]2.7%25,[align-center]2.5%25,[align-center;b]2.5%25|Livre%20indirecto,[align-center]6.0%25,[align-center]6.0%25,[align-center;bg#ffd6d6]4.0%25,[align-center]5.6%25,[align-center]5.6%25,[align-center;bg#cdffaa]7.6%25,[align-center;b]5.7%25|Canto,[align-center;bg#cdffaa]13.6%25,[align-center;bg#ffd6d6]11.1%25,[align-center]11.6%25,[align-center]13.2%25,[align-center]11.4%25,[align-center]13.0%25,[align-center;b]12.3%25|Lan%C3%A7am.%20lateral,[align-center]1.2%25,[align-center]0.7%25,[align-center;bg#ffd3d3]0.4%25,[align-center]0.5%25,[align-center]0.4%25,[align-center;bg#cdffaa]1.7%25,[align-center;b]0.8%25[/vc_table]
Se considerarmos todos os tipos de lance de bola parada, estes têm um peso de 31% relativamente a todos os golos marcados nas principais Ligas da Europa. Essa percentagem sobe para 37% na Liga NOS, o que equivale a dizer que sensivelmente um a cada três golos não são marcados nem em organização nem em transição ofensiva.
Para esta análise vamo-nos focar apenas nos pontapés de canto e nos livres indirectos, aqueles com mais potencial de serem trabalhados em treino e menos dependentes de inspiração individual. Ainda assim estamos falar de 18% dos golos marcados na Europa (21% em Portugal). Se dúvidas houvesse de que não convém menosprezar este momento do jogo, elas estão dissipadas.
Metodologia
De forma a avaliar as equipas que melhor aproveitam os lances de bola parada indirectos (livres e cantos), o método passou por calcular a percentagem deste tipo de lances que são convertidos em:
- Primeiros contactos com a bola
- Remates
- Remates enquadrados
- Golos
Excluídos foram todos os lances que não foram directamente dirigidos para a grande área. Desta forma sabemos que a percentagem não é afectada por passes direccionados a zonas sem grande concentração de jogadores adversários, que iriam distorcer as percentagens.
Cada um dos quatro itens foi posteriormente estandardizado para uma escala de 0 a 10. Assim, à equipa com melhor registo num determinado item é atribuída nota 10, e à pior a nota 0. Como nota final de cada equipa teremos um rating de 0 a 10 obtido através da média das notas dos quatro parâmetros. Mas vamos então aos resultados.
Eficácia nas bolas paradas ofensivas
Comecemos pelos indicadores mais gerais. A percentagem média de cada item, e a melhor e pior equipa em cada um deles, na Europa e na Liga NOS.
Desde logo o destaque vai para duas equipas portuguesas que estão entre as melhores/piores da Europa. O FC Porto foi, entre as 116 equipas em análise, a que transformou mais cantos ou livres indirectos em remates, enquanto o Tondela foi a que menos primeiros contactos conseguiu e o Nacional uma das cinco formações que não converteu nenhum destes lances directamente em golo.
Aplicando a metodologia acima explicada, os resultados são bastante curiosos. A Liga NOS tem apenas seis equipas com rating igual ou superior a 5.0. São elas: Benfica (8,3), Porto (8,1), Aves (7,8), Feirense (5,7), Braga (5,6) e Sporting (5,2). Mas o mais curioso é que três delas estão entre as cinco melhores da Europa, apenas acompanhadas por duas equipas inglesas. Aqui ficam as cinco melhores e as cinco piores.
Apesar de Portugal ter tido em 2018/19 três equipas ao nível das melhores da Europa nas bolas paradas ofensivas, há também seis entre as 12 piores. O Tondela (1,4) sai mesmo deste estudo como a equipa mais inofensiva, mas é acompanhada de Moreirense (1,7), Santa Clara (1,8), Nacional (2,0), Chaves (2,1) e Rio Ave (2,3) no lote de equipas com ratings finais extremamente baixos.
A questão que sobra é: quanto disto é explicado por “trabalho de casa” e quanto é apenas resultado das características dos jogadores? Como forma de tentar responder a essa pergunta, fomos ver a correlação entre o rating obtido para cada equipa e a percentagem de duelos aéreos ofensivos que cada equipa vence dentro da área adversária.

Há uma clara correlação entre as duas coisas. O “poder aéreo” dentro da área ajuda muito, e isso ou se tem ou não se tem, mas também há equipas que se desviam bastante da linha de tendência. Pela positiva temos o Nîmes, que estando entre as dez piores equipas da Europa no que diz respeito aos duelos aéreos ofensivos (eficácia de 37,6%), consegue ainda assim um rating de 6.5, o quarto melhor entre equipas da Ligue 1. Ao todo foram 15 os golos marcados em bolas paradas indirectas pelo 9º classificado da Liga Francesa, sendo que apenas nove foram golos de cabeça. Sempre com o talentoso Téji Savanier a bater, esta foi uma das formas criativas encontradas para contornar a falta de poder aéreo.
Em Portugal, Feirense e Benfica foram as equipas que melhor superaram a falta de “pinheiros” para, ainda assim, serem bastante eficientes nas bolas paradas. O golo de João Félix ao Marítimo, que tem algumas semelhanças com o anterior, mostra isso mesmo.
Pelo contrário, equipas houve que não souberam aproveitar tão bem os recursos existentes para gerar perigo através das bolas paradas ofensivas. Também em França, o Angers de Cheikh N’Doye – que tinha oito golos de cabeça em duas épocas na anterior passagem pelo clube – teve a maior taxa de aproveitamento nos lances aéreos ofensivos dentro da área em toda a Ligue 1, mas marcou apenas três golos de cabeça em lances de bola parada, nenhum deles pelo senegalês.

Um problema que também se aplica ao Sporting, que tendo vários jogadores fortes pelo ar dentro da área (Dost, Coates, Mathieu, Luiz Phellype), marcou apenas dois golos de cabeça em lances de bola parada na Liga NOS, um de Nani e outro de… Diaby.
Eficácia nas bolas paradas defensivas
Se por um lado é fundamental o “trabalho de casa” nas bolas paradas ofensivas, também é importantíssimo limitar a capacidade do adversário quando a bola parada está na sua posse. O estudo da forma como cada equipa potencia esses lances, na trajectória, nas zonas de destino, nos alvos mais fortes, etc., é fundamental para não permitir uma grande efectividade nesses lances a quem está “do outro lado”.
Aplicando o método do ponto anterior à eficácia ofensiva permitida aos adversários, conseguimos perceber as equipas mais e menos fortes na defesa de bolas paradas indirectas na última época.
Em Portugal, Porto e Benfica continuam em destaque também no momento defensivo. Os “dragões” conseguiram mesmo a proeza de sofrer apenas um golo na sequência de lances de bola parada em todo o campeonato. Por azar, foi um tento que acabaria que acabaria por resultar na perda de dois preciosos pontos, marcado por David Texeira em Moreira de Cónegos.
Quanto ao Benfica sofreu apenas três, todos já na era Bruno Lage, e um deles contra o Porto, pois claro. No entanto, apesar dos poucos golos sofridos, as “águias” foram menos efectivas a defender do que a atacar. Em 30,9% das bolas paradas indirectas o Benfica acabou por permitir primeiros contactos aos adversários, sendo este o quarto pior registo da Liga NOS. Só por acaso as “águias” não sofreram mais golos, pois 89% desses primeiros contactos resultaram em remates. Vlachodimos e a falta de pontaria dos adversários ajudaram muito.
Após calculados os ratings finais, estas foram as melhores e piores equipas da Europa na defesa das bolas paradas.
O Girona de Eusebio Sacristán ganha o prémio de equipa mais efectiva da Europa a defender este tipo de lances. Apesar de até ter sofrido sete golos na sequência de lances de bola parada, foi incrível a eficácia da equipa catalã a evitar remates dos adversários. Nos 175 livres ou cantos direccionados à sua grande área, apenas 23 resultaram directamente em remates dos adversários. Curiosamente, ou não, 17 deles nasceram na sequência de lances descaídos para o lado direito.

Em Portugal, o Porto aparece, sem surpresa como a equipa mais forte, mas logo à porta do “top 5”, com um rating de 8.0, temos o Belenenses SAD. A equipa de Silas terá beneficiado – tal com o Girona – de actuar quase sempre com três centrais, coadjuvados no início da época por um Reinildo que venceu 90% dos duelos aéreos defensivos que disputou na área e ainda por um Muriel que sai com grande frequência da baliza. Do outro lado do espectro, o Nacional da Madeira obteve um rating de 3.5 e o Vitória FC ficou com 3.7.
Também aqui há uma correlação clara entre o poder aéreo dos jogadores e a eficácia defensiva, mas vamos mais uma vez realçar as excepções.

O Inter de Spaletti foi o maior destaque pela positiva. Os “nerazzurri” ficaram entre as cinco equipas da Europa com menos eficácia nos duelos aéreos defensivos dentro da área, mas ainda assim tiveram a melhor pontuação (8.1) do seu campeonato. Organização, posicionamento e concentração foram imagens de marca do Inter na defesa de bolas paradas. Só em 34 dos 165 lances deste tipo os adversários do Inter ganharam a primeira bola.
Em Portugal há um destaque pela negativa, vindo dos Açores. O Santa Clara teve em Fábio Cardoso, César, Accioly, Kaio Pantaleão e Chrien cinco homens muito fortes nos duelos aéreos, mas nem por isso os insulares deixaram de permitir perigo aos adversários com alguma frequência. Um excelente exemplo é o golo marcado por Jardel na 17ª Jornada, mas outros houve em que os adversários nem tiveram que saltar.
Quando os extremos se encontram
Para corroborar a assertividade das pontuações atribuídas, nada como ver o que acontece quando os extremos se tocam, ou seja, quando as equipas com melhor pontuação a nível ofensivo defrontaram as que tiveram pior pontuação a nível defensivo. Estes foram os embates entre equipas com rating ofensivo igual superior a 7.0 e equipas com rating defensivo igual ou inferior a 3.0.
Anteriormente tínhamos referido que os golos conseguidos através de cantos e livres indirectos tinham um peso de 18% sob o total de golo obtidos nestas seis Ligas. Ora, neste conjunto de dez jogos, essa percentagem sobe de 18% para 38%, o que equivale a mais do dobro, e apenas num dos embates (Augsburg vs. Werder Bremen) não se deu nenhum golo de bola parada.
Por isto, e por tudo o que já se demonstrou até aqui, é definitivamente abusivo entender as bolas paradas como lances aleatórios. Neste artigo não estamos sequer a aprofundar ao detalhe as diferentes formas que as equipas de análise têm para perceber, não só se o adversário é mais ou menos forte, mas onde estão os pontos débeis, mesmo das equipas mais poderosas. O grau de detalhe a que a análise pode ir com o apoio dos dados estatísticos é imenso, e sim, pode fazer a diferença entre ganhar e perder jogos, cumprir ou não cumprir objectivos.
A relação com o (in)sucesso
Olhemos agora de uma forma global para todas as equipas, posicionando-as num gráfico de acordo com a pontuação que lhes atribuímos nas bolas paradas ofensivas (eixo dos X) e defensivas (eixo dos Y).

Cinco foram as equipas com nota igual ou superior a 7.0 em ambos os parâmetros. O FC Porto, acima de todas, terminou com uma média de 8.2, à frente de Brighton (7.8) e Benfica (7.7), que fecham o pódio. Aves (7.6) e Bournemouth (7.6) foram as outras duas com desempenho muito acima da média, tanto nas bolas paradas ofensivas como nas defensivas. Não se pode dizer que qualquer destas equipas não tenha cumprido os objectivos a que se propunha no início da época. É certo que o Porto falhou o título, mas entre os “azuis-e-brancos” e o Benfica, ambas no “top 5”, apenas uma delas podia ser campeã.
Porventura, o método mais justo será o de aplicar a mesma fórmula aos números de 17/18, ver que equipas mais subiram e desceram nos ratings de bolas paradas, e perceber que impacto isso teve na pontuação dentro dos respectivos campeonatos.
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Do lado oposto, Moreirense e Werder Bremen contrariam a tendência, que é particularmente notada no caso do Hannover. A saída de Salif Sané – um dos jogadores mais fortes pelo ar em 17/18 – sem que tenha sido encontrado um substituto à altura, pode ter sido o momento que definiu a temporada.
Uma questão que se coloca agora ao FC Porto: os “dragões” têm feito das bolas paradas uma trave mestra da “era Sérgio Conceição”, mas isso também assentou muito em jogadores como Felipe, Éder Militão e Danilo e Marega. Ao que se sabe, pelo menos dois deles não farão parte do plantel para 19/20, restando saber até que ponto são substituídos por jogadores “à altura”.

Aconteça o que acontecer, o que fica aqui bem claro é que é altamente irresponsável desconsiderar este momento do jogo. As bolas paradas são cada vez mais fundamentais para o sucesso de uma equipa, sobretudo quando os recursos não estão ao nível dos de grandes clubes. Num campeonato como a Liga NOS, onde o equilíbrio é tremendo se excluirmos os clubes com maior massa adepta e onde estes lances têm um peso maior do que nos outros campeonatos, pode estar aqui a clara diferença entre o sucesso e o fracasso de uma temporada. A estatística, como apoio ao treino e à estratégia, pode ser um auxílio fundamental.