Champions: a final entre o “heavy metal” e o “pop rock”

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AGUENTA coração! A grande final da 67.ª edição da Liga dos Campeões está prestes a arrancar e, na antecâmara do duelo entre o “heavy metal” do Liverpool e o “pop rock” do Real Madrid, decidimos esmiuçar e antever o que se poderá esperar em termos tácticos dos dois conjuntos. Contamos, ainda, com a preciosa ajuda do jornalista da ESPN Brasil, João Castelo Branco.

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Nos últimos cinco jogos na Champions, os comandados de Klopp, que serão os “anfitriões” em Paris, somaram uma derrota (diante do Inter), três triunfos (ante o Benfica na Luz e sobre o Villarreal nas meias-finais), um empate (em Anfield frente aos “encarnados”) e neste período festejaram 11 golos (xG a favor de 2,3) e sofreram sete. Os ingleses são a equipa com mais triunfos nesta edição da competição, pois em 12 duelos contabilizam dez vitórias, 30 golos marcados (média de 2,50 por jogo) e 13 tentos sofridos.

Por seu turno, os “merengues” estiveram quase fora da prova nos quartos-de-final e nas meias-finais, mas sobreviveram e conseguiram carimbar o passaporte para o palco do Stade de France com o seguinte pecúlio nas últimas cinco partidas em que entraram em cena: três vitórias, duas derrotas, 14 tentos apontados (xG a favor de 1,8) e viram o adversário marcar dez golos. Somando todo o percurso nesta edição da Champions, os homens de Ancelotti registaram oito vitórias, quatro desaires, 28 golos apontados (média de 2,33 por jogo) e 14 consentidos.

[ Todos os remates de Liverpool e Real Madrid, a amarelo os golos, a azul os enquadrados ]

Os números não mentem e consubstanciam o apetite voraz dos dois esquadrões pela baliza adversária, nas últimas cinco partidas, o Liverpool teve uma média 16,0 remates a cada 90 minutos e o Real Madrid 12,8 “tiros”, empatando ambos nos que conseguiram enquadrar.

[ As formações e ratings de Liverpool e Real nas duas últimas partidas que realizaram na prova ]

Ataque “red” e contra-ataque “blanco”

O papel dos dois treinadores será, naturalmente, importante, para que as equipas não percam identidade e consigam, ao mesmo tempo, travar e anular as principais valências do adversário. Filosofias que terão de se impor uma à outra, e tentaremos saber de que maneira.

Jürgen Klopp não deverá mexer no habitual 1x4x3x3. Alisson é dono e senhor da baliza, na defesa Trent Alexander-Arnold estará na direita, Robertson no corredor contrário, Konaté e Matip na luta para fazerem dupla com o capitão Van Dijk. As maiores dúvidas residem na zona central do meio-campo. Fabinho, que não participou nos últimos três jogos da Premier League, poderá ser titular, Thiago, que saiu com queixas num dos tendões de Aquiles frente ao Wolves, está em dúvida, mas há esperança que esteja disponível. A outra vaga deverá ser do capitão Henderson, com Naby Keita a espreitar uma entrada directa. No ataque, Salah e Sadio Mané deverão ter a companhia de Luis Díaz – não obstante, Diogo Jota poder ser equacionado. O “gegenpressing” que versa o futebol agressivo, sufocante, vertical e que gera o caos no adversário, não perdeu qualidades, mas ganhou outra magia com o futebol perfumado e cerebral de Thiago – daí Klopp estar a “rezar” para que o médio espanhol recupere.

Nos espanhóis, Carlo Ancelotti, “mestre” silencioso, especialista na arte de bem anular o opositor, poderá ter uma carta escondida na manga. Se optar por Valverde, apostará num 1x4x3x3 “coxo”, que no processo defensivo se transformará num 1x4x4x2; se a escolha recair em Rodrygo, o 1x4x3x3 ficará mais definido com duas lanças nas alas, Benzema a dialogar com Modric e Kross, Casemiro a equilibrar toda a estrutura e Alaba a assumir um papel importante. Em termos práticos, o “onze inicial” não deverá andar muito longe deste: Courtois, Carvajal, Militão, Alaba, Mendy, Casemiro, Kroos, Modric, Vinícius Júnior, Benzema e Valverde ou Rodrygo.

Estatísticas que são “impressões digitais”

Alguns números acumulados da época das duas formações na Liga dos Campeões mostram, de forma clara, o que já é de certa forma perceptível a “olhómetro”. Se compararmos a posse de bola nos últimos cinco jogos, as acções totais e na área, bem como os passes, todos estes dados mostram uma equipa do Real que assume menos o jogo, actuando muitas vezes na expectativa e no contra-ataque, a não ser que esteja em desvantagem, como aconteceu nas duas últimas eliminatórias. Aí, assume como poucos, com Modric, Kroos e Benzema a desempenharem um papel fulcral. O oposto da filosofia dos “reds”.

No que toca a acções com bola, o Liverpool registou uma média de 819,9 por jogo, valor máximo entre todas as equipas em competição, demonstrativo de iniciativa e procura constante pelo ataque à baliza contrária. Já o Real, mais cauteloso e na expectativa, apresentou 721,4, apenas o décimo registo, e isso reflecte-se no passe. Os “reds” realizaram 601,9 passes em média, nono valor mais alto, acima dos 522,1 dos “merengues” (13º). E também nas acções com bola na área nota-se um perfil bem distinto entre os dois conjuntos: os ingleses registaram até agora uma média de 32,3 por jogo, quarto valor mais alto, em comparação com as 28,9 dos espanhóis (8º).

Nesta final, poderemos esperar “reds” mais mandões, contando com os contributos de Alexander-Arnold, fortíssimo a construir por dentro, dos raides constantes de Robertson pelo corredor esquerdo, do critério e segurança de Van Dijk na primeira fase de construção, da arte de Thiago a orquestrar todas as investidas e do veneno dos três da frente.

A vertigem do Liverpool

Também no remate as diferenças são mais ou menos evidentes. O Liverpool fez, em média, 16,7 disparos por jogo, terceiro emblema mais rematador da Champions, muito à frente do nono lugar ocupado pelo Real, que assinou 14,1 disparos. E isso reflecte-se nos Expected Goals (xG).

[ Os remates de Liverpool (à esquerda) e Real Madrid – a amarelo os golos, a azul os enquadrados, quanto maiores os pontos, maior o xG ]

A equipa de Jürgen Klopp foi a terceira equipa da Liga dos Campeões que usufruiu de mais golos esperados (mapas acima), nada menos que 25,5, conseguindo um saldo positivo de 4,5 golos (pois marcou 30). O Real Madrid, por seu turno, teve 20,9 xG, o quarto registo, um saldo saldo positivo de 7,1 (fez 28 golos). Mas há mais detalhes que mostram a filosofia das duas equipas.

Nos passes aproximativos – que permitem aproximação à baliza de pelo menos 25% e no mínimo de oito metros -, o Liverpool registou 47,8 por jogo, o terceiro valor mais alto, uma diferença enorme em relação ao Real, que prefere uma construção mais equilibrada e menos vertiginosa. Os “blancos” registaram 31,3 destes passes em média por jogo, registo que é o 21º.

[ Os passes aproximativos de Liverpool (à esquerda) e Real Madrid na UCL 2021/22 ]

O mesmo aplica-se aos passes verticais, que são passes para a frente: os homens de Merseyside lideraram este parâmetro, com 189,3 por jogo, mostrando uma preocupação e pressa em chegar à área contrária; em comparação, os madridistas fizeram 144,4, apenas o 16º registo. Sintomático.

Real mais cerebral e de condução

Mais camaleónico, o Real Madrid vai vestindo várias “peças de roupa” no decurso dos encontros, ora junta as linhas e joga num bloco mais baixo e compacto, ora assume as rédeas e dita o ritmo. Courtois tem sido fundamental com defesas decisivas, Alaba e Militão estão a fazer esquecer Sergio Ramos, Casemiro é o pêndulo e peça-chave em toda a engrenagem “blanca”, Kroos continua a ser importante, apesar de já não ser tão exuberante como em tempos idos, Modric bebeu do “elixir da juventude”, Benzema tem sido o craque da equipa e Vini. Jr está a realizar a melhor temporada desde que ingressou na capital espanhola. O Real conduz mais a bola no pé, desempenho que se traduz na importância da dupla de centrais, dos três médios e nos recuos de Benzema.

[ Conduções aproximativas, dribles e faltas sofridas de Liverpool (à esquerda) e Real na UCL 21/22 ]

Essa constatação nota-se nas conduções aproximativas – que aproximam a equipa da baliza adversária em pelos menos 25% do campo restante e no mínimo 15 metros -, no caso dos mapas acima, as que terminam no meio-campo contrário. O Liverpool registou 12,6 por jogo (11º registo, enquanto o Real esteve bem acima, com o quinto valor mais alto, correspondendo a 15,0. “Reds” vertiginosos no passe, “merengues” a a transportar a bola colada ao pé. Deverá ser assim também em Paris.

“Reds” de pressão alta

Através dos números de acções defensivas verificamos que o Liverpool pressiona bem à frente, com o trio ofensivo a desempenhar uma tarefa essencial neste capítulo, já o Real Madrid actua mais na expectativa, baixando a “guarda” e esperando pelo momento certo para “apunhalar” o adversário.

Como podemos constatar nos mapas abaixo, os ingleses gostam de pressionar em zonas bem mais adiantadas, registando 16,6 acções defensivas meio-campo contrário, o segundo registo mais alto de toda a Champions. O Real não passa das 10,2, somente o 22º valor mais elevado.

[ As acções defensivas de Liverpool (à esquerda) e Real na UCL 21/22 ]

Se estratificarmos por sectores, ou terços, essa constatação ganha uma ainda maior dimensão, com o Real a concentrar mais acções defensivas no primeiro terço e menos no terço ofensivo. Os rankings das variáveis invertem-se por completo no Liverpool, uma das equipas que mais destas acções regista lá bem à frente.

Acções defensivas  no primeiro terço

  • Liverpool, média de 28,4 (28º valor mais alto)
  • Real Madrid, média de 38,8 (18º registo)

Acções defensivas no terço intermédio

  • Liverpool, média de 16,6 (5ª mais elevada)
  • Real Madrid, média de 11,7 (24ª)

Acções defensivas último terço

  • Liverpool, média de 7,6 (3º valor mais alto)
  • Real Madrid, média de 5,4 (17º)

Reacção à perda, pressão e estratégia

Quando se regista a perda da posse, sempre que possível o Liverpool pressiona de forma coordenada o portador da bola, tentando recuperar o esférico no menor tempo possível, e assim apanhar o opositor em contrapé, explorando os espaços que surgirão nas costas. A organização e o vigor físico permitem que os “reds” procurem “agredir” em qualquer zona do terreno de jogo. Alguém falou em “gegenpressing”? Nos “blancos”, o recuo das linhas é intencional, não tendo jogadores com características para “morder” o opositor de forma constante. Porém, o Real Madrid também tem qualidade para subir as linhas e pressionar a primeira fase de construção contrária.

Esta será a terceira final com “reds” e “blancos”. Em 1981 houve festa inglesa em… Paris. Em 2018, o triunfo sorriu aos espanhóis em Kiev. O que poderemos esperar do tira-teimas deste sábado?

“Acredito que será um grande jogo. O Liverpool não é uma equipa que mude muito o seu estilo, mesmo que vá encarar um Real Madrid muito perigoso, com jogadores que na parte ofensiva são muito rápidos, como Vinícius Júnior e Rodrygo, e decisivos como Benzema. Não vejo o Liverpool a fechar-se muito, com certeza vai tentar controlar e atacar muito. Colocaria o Liverpool como favorito porque tem feito uma temporada muito consistente. A equipa está bem organizada, em termos tácticos e mentais. Em todas as competições foram até ao fim, Taça da Liga, Taça de Inglaterra, na Premier League perdeu apenas dois jogos, na Liga dos Campeões está na final… Já o Real veio aos tropeços, mas sabemos que é um conjunto muito forte nestes jogos decisivos, com jogadores fenomenais. O Liverpool é favorito, em termos percentuais daria 55% para eles e 45% para o Real Madrid”, a opinião pertence a João Castelo Branco.

“O jogo do Liverpool passa muito pelos laterais, Robertson e Arnold, que sobem bastante, mas isso acaba por deixar espaços também para contra-ataques do adversário. Às vezes vemos uma equipa um pouco vulnerável nesse aspecto, mas a força da defesa acaba por emergir. Van Dijk é importante e voltou a treinar-se normalmente esta semana. Matip deverá jogar, é mais experiente do que Konaté e quando está bem fisicamente. E é muito importante ter Fabinho, neste estilo de jogo implementado por Klopp, de deixar os laterais avançarem. O plantel do Liverpool está cada vez mais equilibrado, o meio-campo tem cada vez mais opções, Henderson, Keita, Thiago, Fabinho, Curtis Jones, mas penso que Fabinho é quase insubstituível e muito importante, especialmente num jogo como este em que o Liverpool irá defrontar uma equipa muito forte no ataque. Fabinho é o elemento que mais faz o papel de proteger a defesa, melhor do que os outros jogadores. Com o Luis Díaz, que ataca muito pela esquerda, Robertson tem ficado um pouco mais recuado”, detalha.

Os homens que podem decidir

Numa partida que promete ser emocionante, pedimos, ainda, ao jornalista e correspondente da ESPN Brasil em Londres, onde reside desde 1989, para falar sobre algum dos jogadores que poderão fazer a diferença.

“Não há como não falar da chegada de Luis Díaz e o que ele acrescenta à equipa. do impacto que teve. É impressionante. E gosto muito de Sadio Mané. Às vezes não recebe tanta atenção porque o Salah é mais espectacular, mas é um enorme jogador e creio que vai aprontar nesta final”, perspectivou, referindo-se ao impacto do antigo jogador do FC Porto, que desde que ingressou em Inglaterra em Janeiro, fez 28 encontros, seis golos e cinco assistências. Por seu turno, Mané é o melhor marcador africano em eliminatórias da Champioms, com 15, mais um do que Didier Drogba.

Ainda há Salah, autor de oito golos nesta edição da prova – quarto melhor marcador -, sendo ainda o jogador com melhor média de acções com bola nas áreas contrárias por 90 minutos (9,7), entre jogadores com mais de 540 minutos disputados. No Real Madrid, o talento também sobra.

“O que Benzema fez nesta edição da Champions… se não fosse ele o Real Madrid não estaria nesta final. Enche os olhos vê-lo jogar, é uma aula o que ele faz em campo e como consegue aproveitar as oportunidades que tem e criar algo do nada. É um belíssimo avançado, é o maior perigo do Real Madrid. Vinícius Júnior é ainda jovem, mas está a destacar-se, fazendo grandes actuações na Liga dos Campeões, gostaria muito que ele tivesse destaque e sucesso num grande jogo. É uma pessoa que merece e parece ser um jogador muito dedicado”, realça Castelo Branco.

Karim Benzema está a um jogo de poder dar um passo determinante no que diz respeito a uma possível conquista da Bola de Ouro, soma 15 golos na Champions, sendo o melhor melhor marcador e o segundo em média de remates (4,1). Vinícius marcou até ao momento três tentos, é um dos líderes de assistências (6) e quinto em média de passes para finalização (2,5), segundo em conduções aproximativas (4,4) e em tentativas de drible (6,2).

Neste sábado à noite, de que cores se vestirá Paris? O vermelho do Liverpool, que procura a sétima “orelhuda”, a segunda sob o comando de Klopp, ou de branco, de um Real Madrid que vai à procura do 14.º galardão – o quarto de Ancelotti, que já saboreou dois troféus comandando o AC Milan e outro orientando os campeões espanhóis em 2014?

Leonel Gomes
Leonel Gomes
Amante das letras, já escreveu nos jornais A Bola, Público e o O Jogo, dedicando-se também ao Social Media Management desde 2014. Tornou-se GoalPointer na "janela de mercado" do verão de 2019.