Lincoln, o “diamante negro” que brilha nos Açores

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NA última jornada do campeonato, o Sporting caiu no Atlântico e muito devido à exibição de Lincoln, que guiou o Santa Clara no inesperado (mas justo) triunfo por 3-2. O camisola 10 cumpre a terceira época nos açorianos e tem apresentado números e “performances” de alto nível, demonstrando que, aos 23 anos, poderá estar no ponto para mudar de ares brevemente.

[ Dados acumulados de Lincoln na Liga Bwin 21/22 (esq.); dados acumulados em 19/20 e 20/21 (dta.) ]

Titular em todos os encontros da primeira volta da prova – contabilizando todas as outras provas em que o Santa Clara está ou esteve presente já leva 28 jogos nas pernas -, o brasileiro tem esta época um contributo directo de 41,2% em todos os golos que o emblema de São Miguel marcou com ele em campo.

O “regista” destaca-se, ainda, a servir os colegas, sendo o 11º jogador em todo a Liga no que concerne aos passes para finalização por 90 minutos (2,3, ou 1,4 de bola corrida) entre os atletas com mais de 765 minutos de utilização, mas é dono do máximo absoluto, nada menos do que 36.

Todo o jogo açoriano passa por ele, com relevantes 61,6 acções com bola por 90 minutos, o “canarinho” tem também a segunda melhor média de remates dos “encarnados”, 1,6 por 90 minutos. Mas nem tudo é perfeito, Lincoln precisa melhorar alguns aspectos do seu jogo, mormente quando não tem a bola colada ao pé esquerdo, pois regista apenas 2,7 acções em posse adversária e os seus registos defensivos são tímidos.

[ As assistências de Lincoln na Liga 21/22 (esq); os passes para finalização (dta.) )

O dia em que, com 15 anos, deixou Scolari de boca aberta

A vida de Lincoln tem sido um turbilhão de emoções. Tinha apenas 15 anos quando deslumbrou o “Sargentão” Scolari. Durante um treino do Grémio de Porto Alegre, entre os suplentes e os sub-17, o médio deixou a timidez de lado e espalhou magia, encantando o antigo seleccionador nacional.  “Mas quando é que é o aniversário dele?”, insistiu Scolari, que o definiria como “diamante negro”, no final desse apronto em 2014.

“Coloquei na cabeça que era a oportunidade da minha vida. Não sabia, podia ser o último treino, não haveria mais… Fui sem medo de errar. A partir dali a minha vida mudou”, explicou na ocasião, o teenager ao globoesporte.

Agora com 23 anos, o médio já tem uma longa caminhada futebolística, foi lançado na equipa principal dos gremistas com 16 anos, fez parte do plantel dos gaúchos que venceu a Libertadores em 2017, numa equipa onde pontificavam o “dragão” Pepê, a “águia” Everton “Cebolinha” e Luan, actualmente no Corinthians, foi uma das estrelas do Sudamericano de sub-17, em 2017, que o Brasil venceu marcando cinco golos, melhor apenas Vinícius Júnior, e dois anos antes, capitaneou o “escrete” canarinho no Mundial do mesmo escalão.

Após um início meteórico, a carreira do criativo entrou num limbo, perdeu espaço no Grémio, foi emprestado ao Caykur Rizespor, venceu a segunda divisão turca, regressou à base, mas sem o sucesso esperado, voltou a ser emprestado ao América Mineiro (apenas três jogos), até que voltou a encontrar espaço nos Açores, onde desde há três épocas tem sido uma das unidades em foco dos açorianos.

“Um jogador que marca muito a diferença”, diz Tomás da Cunha

Nas duas temporadas anteriores, contabilizou 66 jogos oficiais, apenas dois golos e 11 assistências, esta temporada já leva 28 encontros nas pernas, quatro tentos e seis assistências. E fica a pergunta, aos 23 anos, até onde poderá chegar este talento gaúcho. Tem a palavra Tomás da Cunha.

“Faria sentido vermos Lincoln num patamar intermédio porque é um jogador que, apesar do talento mais ou menos evidente, nunca teve uma fase muito seguida de bons jogos, é um jogador algo intermitente, tem um talento visível, acho que não há grandes dúvidas sobre isso, mas creio que não é um atleta que dê garantias evidentes ao clube que o contratar. O mais natural, assumindo que fique em Portugal, num patamar seguinte era vê-lo passar para um Braga ou V. Guimarães, seria certamente uma grande aposta”, começou por dizer o analista de futebol, em declarações à GoalPoint.

Sobre um possível salto para um dos três primeiros classificados, o “encaixe nos plantéis dos três grandes poderia ser um pouco difícil”, destaca, sublinhando que “no Sporting é o lugar de Sarabia ou Pedro Gonçalves, como médio-ofensivo, provavelmente a jogar mais pela direita, porque nos ‘leões’ dificilmente jogaria na dupla de médios, da forma como Amorim enquadra o papel daqueles dois jogadores. Lincoln não nada tem que ver com Matheus Nunes”.

“No FC Porto, Taremi é um jogador altamente disponível sem bola, sabemos também que Sérgio Conceição valoriza isso. Por exemplo, no Benfica, estamos ainda no início, mas Nélson Veríssimo tem jogado com dois pontas-de-lança e Rafa joga sobre a direita, era difícil imaginar ver onde Lincoln pudesse jogar também como médio-centro, provavelmente iria jogar mais descaído sobre uma ala. Não teria o protagonismo que tem como médio-ofensivo como agora tem no Santa Clara e isso poderia prejudicar o rendimento do jogador”, esmiuçou.

Para quem não conhece o brasileiro tão bem, fica uma explicação mais detalhada sobre as características do mágico que brilha nos açorianos.

“É um médio ofensivo, embora muitas vezes tenha aparecido mais perto das zonas de construção. Com Nuno Campos, por exemplo, aparecia muitas vezes quase como um construtor. Mas creio que é mesmo um jogador de último terço, para fazer a ligação, o último passe, tem um pé esquerdo fabuloso para lançar, muita visão e é um jogador imaginativo na forma como consegue resolver em espaços curtos e depois em termos de chegada à área, no remate e também no passe de ruptura consegue marcar muitas diferenças”, aponta.

Outra das armas de Lincoln é a bola parada: “é certamente um dos melhores do campeonato nesse aspecto, cantos, livres laterais, livres directos, embora não tenha marcado muitos golos é um jogador que pega bem na bola e, de facto, com essa liberdade ofensiva para lançar o contra-ataque e chegar à área para desequilibrar com o passe ou com o remate, trata-se de um atleta que marca muito a diferença no Santa Clara e imagino que possa fazê-lo num patamar superior, conseguindo ter a tal regularidade que nem sempre teve ao longo da carreira, mas que parece que agora irá dar esse passo em frente. É um jogador que tem polivalência, pode actuar como segundo médio ou médio-ofensivo partindo num dos flancos, mas é um jogador que se sente mais confortável no corredor central, sem tantas amarras defensivas daí que neste Santa Clara esteja tão confortável nesta fase”, acrescenta.

Entre as luzes da ribalta e um certo obscurantismo, parece que a carreira do brasileiro encontrou o trilho do sucesso.

“Lincoln foi desde cedo visto como uma superestrela no futebol brasileiro, aliás ele participou num Mundial de sub-17 onde era a principal figura da selecção que tinha, por exemplo, Éder Militão, que agora é figura no Real Madrid. Ainda por cima num clube que formou Ronaldinho Gaúcho. Havia uma certa esperança que fosse uma espécie de segundo Ronaldinho Gaúcho e isso acabou por não ajudar muito no desenvolvimento inicial do jogador. Talvez em termos de gestão de expectativas, de afirmação depois no plantel principal. O falecimento do pai também terá marcado um pouco o atleta nessa fase”, recordou Tomás da Cunha

Nos primeiros passos no Grémio, Lincoln recordou a história de superação que protagonizou um capítulo que o marcou desde cedo: a morte do pai. Em forma de homenagem, compôs uma música ao progenitor.

“Ele disse que nasci para ser vencedor. Das poucas vezes que me viu jogar, disse que poderia ser o melhor do mundo. Se Deus quiser, um dia vou honrar essa promessa que eu fiz ao meu pai”, confessou o médio, que tem cinco irmãos, ao Globoesporte.

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Leonel Gomes
Leonel Gomes
Amante das letras, já escreveu nos jornais A Bola, Público e o O Jogo, dedicando-se também ao Social Media Management desde 2014. Tornou-se GoalPointer na "janela de mercado" do verão de 2019.