O francês é, a seguir a João Mário, a mais sonante contratação do Benfica para a época 2021/22, e a que, até ao momento, exigiu um maior investimento por parte do emblema luso. Soualiho Meïté é um médio-defensivo de 27 anos que chega oriundo do Torino de Itália, a troco de €6M, após ter sido emprestado, na temporada finda, ao Milan. Um jogador que aterra em Lisboa para colmatar uma lacuna identificada pelo treinador benfiquista, Jorge Jesus, como o próprio afirmou após o empate 1-1 da equipa frente ao Marselha, num amigável de pré-temporada.
“É um jogador muito forte e precisamos disso no meio-campo”
Jorge Jesus, sobre a contratação de Meïté
Meïté é francês com ascendência costa-marfinense e fez a sua formação no Auxerre, de França. Registou depois passagens pelo Lille, um empréstimo de duas temporadas ao Zulte Waregem da Bélgica, um regresso a terras gaulesas pelo Monaco e novo empréstimo, desta feita ao Bordeaux. O Torino mostrou interesse do médio em 2018/19 assegurou-o por €11,5M, e as suas boas exibições levaram os “rossoneri” a requerer o seu empréstimo. Agora chega a Portugal para, como aponta o treinador benfiquista, “dar músculo” ao meio-campo da equipa.
Ao longo das duas últimas temporadas fomos apontando, aqui e ali, algumas das fragilidades do Benfica, com foco no meio-campo, onde a capacidade de filtragem do jogo adversário, de choque e de competência nas acções defensivas deixavam o conjunto exposto, com as consequências que se conhecem. Desde a aposta em Weigl e o “encosto” de Florentino, às inevitáveis comparações entre o alemão e o brasileiro Gabriel, as dúvidas sobre as características e peso do ex-Dortmund na equipa, muitas foram as formas de olhar para os problemas “encarnados”. Meïté parece surgir nesta fase como solução para essas debilidades.
“…na posição de médio-defensivo só temos dois, o Julian e o Tino. A contratação dele [ Meïté ] visa essa posição. Vai demorar algum tempo para entrar na exigência daquele posicionamento”
Jorge Jesus
O francês é um médio de características mais defensivas, que pode actuar a “8” ou a “6”, mas perante as palavras de Jorge Jesus – vamos olhar para o que Soualiho pode dar às “águias” numa óptica de jogador mais recuado do “miolo”, tentando compreender o que pode dar aos “encarnados” que Weigl – e Florentino – não dão. E vice-versa. Acompanhe-nos.
Verticalidade vs passe refinado
Um dado salta de imediato à vista e acaba por não surpreender, perante as evidências que fomos observando na meia época de 2019/20 e na completa de 2020/21. Julian Weigl, e até Florentino (stats de 19/20), conferem uma melhor qualidade global no passe, um nível que o novo reforço dificilmente manterá. Contudo, possui outras valências, ainda que prometam mudar o perfil do futebol benfiquista, caso seja primeira opção.
Weigl e Florentino apresentaram uma eficácia de passe global acima de 90%, e se olharmos para a progressão vertical que conferiu a Torino e Milan através de passes certos, notamos que não será desta forma que Meïté irá empurrar as “águias” para o ataque (0,3 metros em média, contra 2,8 e 1,2 do alemão e do português). E no passe para o último terço, também aqui Julian ganha claramente.
Então o que Soualiho pode dar ao lisboetas que estes já não têm, em termos de construção? Na verticalidade e pragmatismo no passe – nas épocas em análise fez em média quase metade (38,5) dos passes de Weigl 72,9) -, na progressão com bola e na forma como “varre” toda a zona em frente à defesa. Meïté (1,9 por 90 minutos) superioriza-se a Weigl (1,7) nos passes para finalização, em especial nos verticais (0,4 – 0,1), e nos passes curtos para desmarcação (0,9 – 0,3). E isto diz-nos algo aparentemente óbvio: o francês faz o seu trabalho defensivo, transporta a bola e entrega-a de imediato ao jogador que está em melhor posição para levar o jogo para o ataque, sem que haja necessidade de a bola regressar de novo à “casa de partida”, como no caso do alemão, que assim trava um pouco o futebol de transições. Mas há mais.
Menos acções com bola
Os mapas de acções com bola corroboram a nossa análise acima. Julian Weigl é um jogador mais interventivo, cobrindo uma maior área nas acções com bola que realiza. Meïté surge mais discreto (56,3 acções com bola contra 88,9 do alemão). É mais sinal? Não obrigatoriamente.
[ “Heatmaps” e acções com bola ]
Na época finda, Soualiho jogou muito mais como médio-centro interior direito do que médio-defensivo puro e esse facto ajuda a explicar os mapas menos “pintados”. E também o seu estilo de jogo ajuda a esta realidade. Mesmo com menos acções com bola, o gaulês conseguiu criar uma média maior de passes para finalização e passes ofensivos valiosos, como referimos, mas muito menos passes aproximativos (redução de distância para a baliza em pelo menos 25% e dez metros), no caso, 2,1 para 4,7 de Weigl. O seu foco não está tanto no ataque posicional, mas mais no pragmatismo de colocar a bola o mais depressa possível em zonas de finalização.
Perante este facto, poderemos supor que Meïté trará ao Benfica uma maior capacidade de transições rápidas após recuperação de posse. Sendo isso verdade, significará que será um corpo estranho quando a equipa precisar de um jogador diferente? Dificilmente haverá relação, pois à sua frente, caso jogue, terá um cerebral João Mário, um explosivo Taarabt ou até… Weigl, que na Alemanha jogou muitas vezes na posição “8”.
[ As acções ofensivas perigosas comparada de Meïté e Weigl em 20/21
Legenda: linhas – conduções verticais, estrelas – dribles, setas – faltas conquistadas ]
Uma coisa é certa. O francês é mais vertical que Weigl também na condução da bola. Nos mapas acima podemos observar as conduções verticais a terminar no meio-campo contrário (linhas tracejadas), as faltas sofridas (triângulos azuis) e dribles eficazes (estrelas). Mesmo registando menos minutos e acções com bola, Meïté não teme quando é necessário pegar na bola e lavá-la para a frente, onde, aí sim, a entrega em passes para zona de perigo.
A diferença entre o francês e o alemão nas conduções é enorme, ainda mais face ao peso de ambos nas acções colectivas, e até no drible não há comparação possível: Soualiho tentou o drible em 2,7 ocasiões na época passada, Julian em uma vez por 90 minutos, o primeiro com 1,9 eficazes, o segundo com 0,8. A força física, velocidade e razoável controlo de bola permitem ao reforço ser, também ele, o elemento de desequilíbrios ofensivos.
A capacidade de choque que o Benfica não possui
Enfim chegamos às características que parecem ter convencido JJ e o Benfica a avançar para a compra do passe do atleta de 27 anos: a sua grande capacidade física (1,87m) e poder de choque, algo que tem sido apontado como pecha benfiquista nas últimas épocas naquela zona à frente da defesa. É aí que o treinador “encarnado” vai trabalhar o francês. Para já, os dados que temos da última temporada estão um pouco “contaminados” com a sua utilização a médio-centro, mas dá para verificar alguns pormenores interessantes.
[ Acções defensivas (dois da esquerda) e recuperações de posse (dois da direita) ]
Estes são dois comparativos fundamentais neste contexto com o actual dono do lugar “6” no Benfica. Os mapas de acções defensivas (à esquerda) e recuperações de posse (7,0-6,9) mostram um número total inferior por parte de Meïté, uma vez que não só jogou mais encostado à direita, como também jogou menos cerca de 500 minutos que o alemão. Este, por seu turno, tem uma abrangência de acções defensivas e recuperações de posse mais horizontal, enquanto Meïté aparenta aventurar-se mais verticalmente, recuando bastante, mas integrando-se nos momentos sem bola em zonas mais adiantadas.
No primeiro terço do terreno, Meïté regista um número médio de acções defensivas superior (3,5 contra 3,1), o que sustenta a ideia de jogador talhado para “varrer” a zona à frente da defesa. Weigl ganha nas acções defensivas no terço intermédio (1,8-2,0) e no meio-campo adversário (1,3-1,7). Se o alemão apresenta números melhores nos desarmes (1,7-1,9) e nas intercepções (1,1-1,3), o francês domina nos bloqueios de passe (1,4-0,9).
Mudança de paradigma na Luz?
Em jeito de conclusão, fica claro que Meïté tem pouco ou nada que ver com as características de Julian Weigl, no passe, na condição de bola, na capacidade de aproximação ao último terço, nos terrenos que pisa, nas acções defensivas e nas características físicas, que definem uma forma de abordar duelos individuais totalmente diferente. Pelas palavras do treinador do Benfica, a ideia será mesmo tornar o francês no “6” do Benfica, o que deixará Weigl em maus lenções, a não ser que Jesus o (re)adapte à posição de médio-centro. E se a aposta no ex-Torino for em frente, é de esperar uma mudança profunda nos processos da “águia”, não só no meio-campo, mas também nos posicionamentos defensivos e nas mecanizações ofensivas. Estaremos cá para analisar a fundo.