Opinião | Nem de borla Messi salvaria o Barça, mas o Futebol tarda em acordar

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As lágrimas vertidas por Messi na conferência de imprensa de despedida do Barcelona caíram antes mesmo do jogador soltar qualquer palavra. As emoções do “craque”, aliadas às palavras e revelações posteriores, comoveram muitos, mas também despertaram reacções que vão da dúvida legítima ao puro cinismo, muito próprio de quem segue o Futebol de uma forma antagónica e até odiosa, longe da paixão por um fenómeno que, sendo um negócio, o é no ramo do entretenimento e das emoções.

Não faltaram questões em redor da aparente dicotomia entre a dor de Messi e o porquê de não ter ido ainda mais longe nas suas cedências salariais, criando condições para a renovação com o clube que, aparentemente, tanto lhe custa abandonar após cerca de 20 anos de ligação. A dúvida é legítima, ainda que desinformada, pois não falta informação publicada acerca do tema. Mas quem é que, hoje em dia, procura informar-se antes de lançar a sua tirada esperta nas redes sociais? Isso é coisa de gente cada vez mais antiga.

“Lágrimas de crocodilo, se realmente gostasse do clube ficava de borla”

Ora a explicação da situação é relativamente simples. O Barça é felizmente obrigado pela La Liga a equilibrar o rácio entre o que gasta e o que recebe. O termo “felizmente” não é aqui usado ao acaso. Que bom seria que mais Ligas impusessem critérios de racionalidade financeira no negócio “piramidal” do Futebol, de modo a evitar novos Barças, cujos responsáveis ainda há três anos ensinavam em Harvard a arte de bem gerir.

Neste momento o rácio entre despesa e receita do Barça situa-se em 115%. Mesmo após a saída de Messi esse rácio fica-se nos 95%, mas a La Liga exige ao Barça que reduza esse rácio para uns mais saudáveis 70%. As contas são bastante óbvias: nem que jogasse de borla Messi resolveria o problema do Barça ou teria sequer garantia de ser inscrito. A somar a isto acresce o facto da sua inscrição nunca poder ser feita como sendo um “custo zero”, mesmo que, no planeta Disney em que muitos opinam sobre o dinheiro dos outros, o fosse. As regras da La Liga previnem-no, de modo a evitar a criatividade esquemática na qual, essa sim, alguns gestores de Futebol se destacam.

“Então porque não reduziu e esperou mais um pouco?”

Provavelmente o jogador até aceitaria tal cenário. Messi revelou aliás referido que se predispôs a reduzir o seu contrato em 50% dos valores anteriores mas isso não resolveria a situação pois a verdade é que basta revisitar os números partilhados acima para perceber que o Barça tem de cortar ainda mais, caso queira inscrever qualquer jogador. Os catalães não conseguiram resolver casos como Griezmann e Coutinho, jogadores que somados auferem tanto como Messi, realidade que ilustra bem o desmando “blaugrana” na génese do problema.

O tempo foi passando, Messi aguardando e o Barça tentando. Chegados ao início de Agosto clube e jogador corriam o risco óbvio de não poder cumprir qualquer acordo. Neste cenário o Barça decidiu libertar o jogador e permitir-lhe terminar a carreira de uma forma compatível com o que representa, para o Barça e Futebol mundial, sem correr o risco de ficar a acompanhar a época no sofá, aos 34 anos. Podia Messi arrastar-se até ao prazo, apostando que o Barça resolvesse problemas a ele alheios? E poderia o clube arriscar ser responsável pela interrupção e quiçá término imprevisto da carreira do jogador? Obviamente que não.

“Ai é? Então como é que inscreveram o Aguero e o Depay?”

A resposta é rápida: contratou mas ainda não inscreveu, são coisas diferentes. Num raciocínio simplista podemos questionar o porquê de contratarem novos jogadores sem terem resolvido o problema mas mais uma vez a realidade (e a razão) ajudam a compreender o dilema. Messi nunca jogaria sozinho, e a sua permanência estava longe de garantida, como se provou.

À medida que o tempo passava o Barça tinha de se preparar para todos os cenários, não podendo correr o risco de iniciar a temporada com problemas ainda maiores do que “apenas” o adeus de Leo. Na verdadeira corda-bamba em que vive, o clube tinha de tomar decisões na construção do plantel, embora certamente esperasse ter tido o sucesso que até agora não teve no domínio das saídas/trocas/dispensas.

Até quando vai o Futebol manter-se um negócio “piramidal”?

O Barcelona é um case-study desastroso e sobretudo um sinal. Ao mesmo tempo em que assistimos a um clube, outrora referido como exemplo de gestão, a não conseguir sequer inscrever o seu melhor jogador de sempre, continuamos constatar diariamente o fecho diário de negócios sem nexo, fundamento económico ou equilíbrio, por parte de clubes que ainda há pouco lamentavam o impacto brutal do contexto pandémico que vivemos e despediam… mascotes.

Neste momento verificamos até a existência de clubes e até Ligas (incluíndo a espanhola) que preferem empenhar o seu futuro em troca de financiamento, em busca de verbas que permitam manter o mesmo sistema partido que deviam questionar, repensar e equilibrar, antes que seja tarde.

Passados meses do anúncio (até ver) falhado da Superleague fica ainda mais clara a motivação financeira de curto prazo, desesperada, que moveu os seus proponentes, um deles o Barcelona.

Até quando irão os clubes com maior influência no “aquecimento global” do Futebol, em transferências, salários e comissões, fugir à necessidade urgente de repensarem o negócio “piramidal”, artificial e irracional que alimentam? A resposta continua a ser uma incógnita, mesmo após termos assistido a algo tão inacreditável como o adeus de Messi ao seu clube, nos moldes em que sucedeu.

Pedro Ferreira
Pedro Ferreirahttps://goalpoint.pt
Co-fundador da GoalPoint Partners, em 2014. Desempenhou entre 2011 e 2013 os cargos de Secretário-Geral da SAD do Sporting Clube de Portugal, Director da Equipa B e da Academia Sporting.