A contratação foi assegurada há meses e Pepê chega aos “dragões” como a (até agora) mais sonante contratação para 2021/22. A prolongada negociação terminou com o emblema da Invicta a pagar €15M pelo criativo. Um esforço importante por um jogador que se pode vir a tornar num dos mais importantes futebolistas do campeonato português e uma das coqueluches do plantel de Sérgio Conceição. É o que se espera, para os lados do Dragão.
O inevitável comparativo
A qualidade de Eduardo Gabriel Aquino Cossa, conhecido no Futebol como Pepê, é incontornável e as comparações com o benfiquista Everton “Cebolinha” inevitáveis dado o histórico que liga os jogadores: chegaram ao Futebol português para representar “grandes”, ambos oriundos do Grêmio, clube onde o agora reforço portista viveu, durante algum tempo, na sombra de “Cebolinha”. A saída de Everton para a Luz deu a Pepê a possibilidade de se assumir como estrela da companhia, crescimento mensurável em diversos parâmetros objectivos, que obviamente iremos sublinhar. Uma coisa é certa: será muito interessante ver como a nova contratação “azul-e-branca” irá progredir nos relvados nacionais e até perceber se iguala ou até mesmo suplanta a afirmação da sua “sombra” gremista, na influência e/ou rapidez com que a demonstra.
Mobilidade, decisão, qualidade técnica, futebol rendilhado e qualidade no passe, com privilégio para o curto. Estas são as características imediatas de um jogador que mostra um “toque de bola” que o distingue dos demais, algo que se nota há anos, mesmo quando estava na sombra de “Cebolinha”. Pepê joga preferencialmente colado à linha do lado esquerdo, como que um extremo, mas com características que lhe permitem deambular por todo o meio-campo ofensivo, incluindo a ala direita, e integrar-se nas zonas decisivas de finalização. Veloz, joga de cabeça levantada, com um controlo de bola acima da média, exímio a ocupar os espaços entrelinhas e a romper de trás para a frente, solto de marcação.
[ À esquerda Pepê 2019 vs Pepê 2020 – à direita Pepê 2019 vs Everton 2019 ]
De 2019 a 2020 a sua evolução nota-se sobretudo no melhor contributo táctico e defensivo, no posicionamento, ocupação de espaços e criação de perigo, e o Porto poderá aproveitar da melhor maneira esse amadurecimento, que podemos testemunhar através de dois comparativos, um entre as duas últimas épocas completas de Pepê no Brasileirão, outra nos números de 2019, lado a lado com os de “Cebolinha” (infografia da direita). Em 2019, quando o agora benfiquista brilhava, os números de Pepê eram mais modestos, longe da exuberância de Everton, em especial no drible e no ataque à baliza.
Com a saída do seu colega para a Luz, Pepê subiu alguns degraus, de forma mais notável nos passes para finalização e nas ocasiões flagrantes criadas. Nos primeiros passou de 0,8 por 90 minutos para 1,2, e nos últimos subiu de 0,2 para 0,3. Também no drible a sua produção conheceu uma melhoria, com mais tentativas (4,7-5,3) e um aumento na eficácia (48%-53%). Mas há outros valores a ter em conta.
Defensivamente caiu nos desarmes – nos tentados (3,0-1,5) e nos realizados (1,3-0,6) -, mas deu um salto qualitativo em momentos diferentes, que apontam para um maior conhecimento dos terrenos a pisar e no posicionamento sem bola. As intercepções passaram de 0,5 por 90 minutos para 1,0, apontando para uma capacidade de leitura de jogo, adopção do posicionamento certo e antecipação das entregas adversárias. E passou a realizar acções defensivas em terrenos mais adiantados, no meio-campo contrário, com os números a aumentarem de 0,6 para 1,0, contribuindo para uma pressão colectiva mais alta, uma tendência que será muito do agrado de Sérgio Conceição.
Um “vagabundo” na frente
Estes são os mapas de acções com bola de Pepê em 2019, no Brasileirão. A diferença para os de 2020 não são substanciais, com o agora portista a mostrar uma predisposição para deambular em toda a frente de ataque, com privilégio para o corredor esquerdo, mas com incursões pelo meio, direita e meio-campo defensivo. Mas há um detalhe que mudou.
No último Brasileirão completo que realizou, o extremo tornou-se um jogador mais ciente das suas tarefas no seu corredor primordial, encostando mais efectivamente no lado esquerdo, sem “viajar tanto”, permitindo-lhe, assim, participar mais activamente nos tais processos defensivos no meio-campo contrário, ao mesmo tempo que melhorou nas entregas para remate e na qualidade do cruzamento. Se o número médio de centros andou sempre ligeiramente abaixo de um por 90 minutos, a sua eficácia sofreu um aumento, com 14% em 2019 a passarem para 24% em 2020. Um detalhe que pode ser muito importante em Portugal, numa equipa do FC Porto que usa por diversas vezes esta forma de colocar a bola na área contrária e, pelo que se viu no final de 2020/21, poderá ter duas ameaças aéreas no ataque, lado a lado: Mehdi Taremi e Toni Martínez.
Drible, condução e passe para finalização
Os três mapas acima mostram um pouco o perfil de Pepê em 2019, com algumas alterações em 2020. O mapa da esquerda representa as conduções verticais a terminar no meio-campo contrário (linhas tracejadas), as faltas sofridas (triângulos azuis) e dribles eficazes (estrelas). No mapa do centro podemos ver os dribles, contando com os tentados e os completos (azuis) e no da direita os passes para finalização.
No primeiro, a nossa atenção recai nas conduções, momento no qual Pepê é exímio, pela qualidade com que transporta a bola colada ao pé. Em 2019 fê-lo mais pela esquerda, mas variou bastante as zonas do terreno em que tal se verificou, o mesmo acontecendo com os dribles. Em 2020, como referimos anteriormente, assumiu mais o papel de “Cebolinha” no Grémio, e se víssemos o mesmo mapa para essa temporada estaria clara a tendência acentuada para conduções pelo lado canhoto, o mesmo acontecendo com a localização das tentativas de drible. É aí que se espera que Sérgio Conceição aposte em Pepê, e esse facto leva-nos para outro tema: Luis Díaz.
Quem será o dono do flanco?
Ao longo de 2020/21, Conceição nem sempre apostou em Luis Díaz como dono do lugar do lado esquerdo do ataque, apesar de ser uma fonte de golos importantes e decisivos e de algumas exibições de grande relevo. Questões de desempenho defensivo poderão estar por detrás dessa opção, nomeadamente a menor ajuda prestada ao lateral-esquerdo – um tema interessante para outra análise -, mas neste momento é impossível ignorar o colombiano, que só não foi considerado o melhor jogador da última Copa América porque estava lá um “E.T.” chamado Lionel Messi (mas recebeu o troféu de melhor marcador, a par do argentino, ambos com quatro golos). O que Díaz mostrou no certame coloca-o como forte candidato a titular. E se for esse o caso? Será compatível com Pepê?

Não estamos na cabeça de Sérgio Conceição para saber quais os seus planos, e perante os valores envolvidos no investimento no brasileiro, o colombiano poderá começar a época em desvantagem, não só pelo motivo exposto, mas também porque Díaz só agora integrou o estágio portista, após merecidas férias na sequência da participação no campeonato de selecções da América do Sul.
Será prematuro o comparativo entre os dois e Pepê necessita ainda de adaptação ao nosso futebol, mas para já, olhando para os números do brasileiro em 2020, na Serie A “canarinha”, e para os de Luis Díaz na Liga portuguesa de 2020/21, o colombiano mostra alguma superioridade, nomeadamente no remate e na qualidade do drible, e até nos golos e assistências, com bem menos minutos de utilização.
A “dor de cabeça” boa sobra para Conceição, caso tenha ideias semelhantes para ambos, mas se recuarmos um pouco neste texto e olharmos para as zonas de acção de Pepê na sua carreira no Grémio, não será de espantar que ambos caibam no “onze” portista, com o brasileiro a ocupar outras zonas, talvez mais centrais. Tem a palavra o treinador dos “dragões”.