Reforços | O herdeiro de Enzo 🇦🇷

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Durante as últimas semanas, uma telenovela dominou parte do noticiário desportivo. Afinal, Enzo Fernández seria ou não reforço do Benfica? O médio seria desviado do conjunto da Luz para o Wolves ou AC Milan ou iria permanecer no River Plate? Num derradeiro e certeiro raide, os “encarnados” dissiparam todas as dúvidas e fecharam a contratação do médio, adquirindo 75% por cento do passe por €10M, valor ao qual poderá €8M em variáveis. Depois, ficou por dissipar uma última dúvida: o jogador chegaria antes do fecho do mercado ou apenas quando terminasse a participação do River na Taça Libertadores? O Vélez Sarsfield, que eliminou a equipa de Marcelo Gallardo nos oitavos-de-final da prova, deu uma preciosa ajuda e antecipou o ingresso do jovem. Olhamos para o perfil de Enzo, com a ajuda do comentador dos canais ESPN Brasil e Star Plus Brasil, Lucho Silveira, profundo conhecedor do futebol argentino.

Com contrato até 30 de Junho 2027 e uma cláusula de rescisão milionária cifrada em €120M, Enzo Fernández chega à Luz com as expectativas nos píncaros e a responsabilidade de assumir uma vaga no centro do terreno que não tem um “patrão” desde que Enzo Pérez foi transferido para o Valência, no mercado de Inverno da longínqua época de… 2014/15. Desde então, foram vários os jogadores que passaram por essa posição, e apenas o furacão Renato Sanches foi unânime. Após isso, foram diversas as peças utilizadas por Jorge Jesus (JJ), Rui Vitória, Bruno Lage, JJ quando regressou e Nélson Veríssimo, mas nenhuma voltou a pegar de estaca e a cair por completo no goto da crítica e dos adeptos e sócios benfiquistas.

[ O comparativo de Enzo Fernández com Enzo Pérez, para muitos o último grande “8” ao serviço do Benfica ]

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Recapitulando, de Pizzi – talvez um dos casos de maior sucesso – a Filipe Augusto, passando por Gedson, Gabriel – crucial no último título ganho pelas “águias” com Bruno Lage ao leme, mas que após essa temporada perdeu gás –, Talisca, André Horta, Celis, Danilo Barbosa, Filip Krovinović, Taarabt ou João Mário, por exemplo, nunca foram soluções que tivessem conquistado verdadeiramente a posição “8”.

O “box to box” que faltava ao Benfica?

Aos 21 anos, Fernández começou por despontar no Defensa y Justicia, ajudando a equipa a conquistar a Copa Sul-Americana e a Recopa Sul-Americana, e no regresso à casa de partida – fez toda a formação no emblema de Buenos Aires –, confirmou toda a qualidade que tem e foi determinante no título de campeão argentino alcançado em 2021.

E como joga o polivalente argentino? 

“Sou tecnicamente muito bom, tenho visão de jogo, bom passe”, afirmou o argentino já em solo português. O novo camisola 13 é um médio completo, que poderá fazer diversas posições na zona central. Tornando-se perigoso quando tem espaço no jogo interior para ir accionando as ligações com os avançados, utiliza sem problemas os dois pés, não se percebendo se actua maioritariamente com o esquerdo ou o direito, capacidade rara que o ajuda a baralhar as marcações adversárias, e faz usufruto do físico para chegar com facilidade às zonas de finalização.

No River Plate, que em termos tácticos oscilava entre dois sistemas, era o interior-direito quando Gallardo utilizava o 1x4x4x2 com o meio-campo em diamante, mas também no 1x4x3x3. Independentemente do desenho, tinha uma enorme preponderância no jogo da equipa, fazia de segundo médio, quando baixava para perto do “trinco” (Enzo Pérez) e rapidamente conseguia assumir a construção das investidas ofensivas, um “box to box” com capacidade para participar no jogo. Define muito bem, tem muita chegada à área contrária e é agressivo no momento da recuperação pós perda da bola. Em suma, um jogador versátil capaz de jogar em diversas zonas do meio-campo, que constrói, destrói, cria e finaliza com qualidade. Nas últimas três temporadas, uma no Defensa e duas do River – contabilizando já o que fez neste ano de 2022 – somou 80 jogos, apontou 13 golos e gizou 12 assistências.

Como será o encaixe na ideia de Schmdit?

Record Mercado - 08.07.2022 - Enzo-infog

Roger Schmdit deverá desenhar esta nova versão das “águias” num 1x4x2x3x1 e/ou 1x4x4x2, priorizando um futebol directo, rápido, de pressão constante e as características do novo jogador encaixam que nem uma luva nas directrizes preconizadas pelo treinador germânico, já que é um jogador confiável na primeira fase de construção, é tacticamente astuto e inteligente, com capacidade para receber a bola sobre pressão do opositor e de rapidamente pressionar, demonstra um bom posicionamento em termos defensivos, é inteligente a ocupar os espaços, a ler o jogo. Trata-se de um atleta forte fisicamente, tem uma óptima qualidade de passe – poderá melhorar os “timings” e temperar os momentos em que tem de arriscar ou colocar gelo na partida.

As estatística comparativas com outros jogadores do Benfica que podem ocupar a posição (infografia acima) demonstram tudo isto que referimos. Boa aproximação à área, através de remates e passes para finalização, quantidade e qualidade nas entregas, excelente capacidade de recuperação de posse e envolvimento nas acções defensivas da equipa, necessitando, contudo, de melhorar a percentagem de perdas de posse, que se aproxima perigosamente dos valores de Taarabt, uma das principais críticas dirigidas ao marroquino.

Enzo vai, naturalmente, precisar de tempo para se adaptar a uma nova realidade, mas tem uma larga margem para progredir e evoluir, e deverá ser um “upgrade” na zona central “encarnada”, com potencial de impacto imediato na equipa – como já se viu nos primeiros jogos de preparação da formação da Luz, no Algarve.

A análise de Lucho

Profundo conhecedor do futebol argentino, o comentador dos canais ESPN Brasil e Star Plus Brasil, Lucho Silveira, ajuda-nos a detalhar quem é o novo jogador do Benfica.

Como joga Enzo Fernández: quais são as suas virtudes e defeitos?

“A principal virtude é ele ser ainda bastante jovem e já ter apresentado um grande reportório. Chega à frente para poder participar na construção do jogo e até marcar golos, entende as responsabilidades que tem no processo defensivo, qual o compromisso que tem na marcação. É um jogador com um extenso raio de acção, está em todo o campo, pode fazer várias funções e é muito versátil. Precisa de melhorar a capacidade de ler o jogo e saber em que momentos poderá acelerar ou abrandar o ritmo para poder estar sempre sintonizado os 90 minutos. Como quer estar em todo o lado o tempo todo, muitas vezes acaba por não conseguir aguentar. Quando se tornar ainda mais participativo do que já é, vai conseguir melhorar esse aspecto. Não diria que seja um defeito, mas algo que poderá aperfeiçoar, apresentando uma taxa de participação mais efectiva nas partidas”.

O treinador do Benfica, Roger Schmidt, gosta de jogar em 1x4x2x3x1 ou num 1x4x4x2, em que posição e que o argentino encaixa?

“Penso que pode jogar num losango, fazendo a função de um médio mais de marcação, percorrendo a zona onde está o médio mais defensivo, o médio do lado contrário e aproximando-se do ‘enganche’, o camisola ’10’. Enzo adapta-se bem a esse sistema táctico. Também pode participar numa linha com três jogadores na zona do meio-campo com um ‘trinco’, mais de marcação, à frente da área, um outro médio mais centralizado, nas costas do avançado, e ele na mesma linha, mais descaído sobre o lado direito, é versátil e tem essa capacidade. Pode ser o segundo homem no meio-campo ou um terceiro elemento, uma espécie de 8,5, um ‘volante’ com chegada à frente”.

Enzo poderá ter lugar entre os 26 jogadores da Argentina que estarão no Mundial do Qatar?

“Talvez não, e muito por conta da sua juventude, é ainda bastante jovem e porque a selecção da Argentina já tem um grupo formado. Sabemos que as selecções são grupos bem fechados, a da Argentina está mais fechada ainda porque acabou de ganhar a Copa América e é muito difícil que um jogador, que não tenha estado presente nessa competição, possa estar no Mundial por conta dessa relação que existe entre o seleccionador Lionel Scaloni e o grupo de atletas como Messi, De Paul, Otamendi… Qualidade não lhe falta, talvez falte tempo. Se continuar neste caminho, certamente terá uma oportunidade, mas especialmente num próximo Mundial e acredito bastante que isso possa acontecer”.

Em Portugal, durante muitos anos brilhou um médio que se chamava Lucho González. Pensa que o futebol de Enzo é semelhante ao do ex-Porto?

“É uma comparação bastante interessante. Conheço bem Lucho, o meu apelido Lucho não é só por causa dele, mas também. Eu sou Luciano e ele é Luís e na Argentina quem se chama Luciano ou Luís acaba por se transformar em Lucho. Mas voltando a Enzo, ele pode ser comparado a Lucho, cada um no seu tempo, com as suas características particulares, mas Enzo é um jogador com um estilo semelhante, até pelo ADN que ambos têm por terem sido formados no River Plate. Não creio que a comparação terá um peso em Enzo, que é um jogador que também tem chegada à área adversária, talvez Enzo ajude mais no momento da marcação, Lucho talvez fosse mais solto, conseguia aproximar-se mais da baliza contrária, tinha mais características de organizador do que Enzo”.

Não sabemos como será a adaptação do médio argentino ao Benfica e ao futebol português, mas nesta altura, com o mercado ao rubro, Enzo é, sem dúvida, um dos jogadores que mais curiosidade desperta dos adeptos. Estaremos cá para acompanhar a sua evolução.

Confere as análises aos outros reforços neste link.

Leonel Gomes
Leonel Gomes
Amante das letras, já escreveu nos jornais A Bola, Público e o O Jogo, dedicando-se também ao Social Media Management desde 2014. Tornou-se GoalPointer na "janela de mercado" do verão de 2019.