otreinador português pode até ter chegado a Inglaterra como um ilustre desconhecido. Porém, após ficar perto de salvar um Hull City aparentemente condenado à descida, Marco Silva tornou-se num nome bastante respeitado, com legiões de seguidores curiosos por saber qual o próximo passo do técnico.
Após ter estado, segundo as notícias, perto de assinar pelo FC Porto e pelo Crystal Palace, Marco Silva acabou em Watford e, após oito jogos, colocou a equipa num surpreendente quarto lugar, à frente de emblemas como o Liverpool, Arsenal e o campeão em título, Chelsea. A questão que se coloca é: o que fez Marco Silva para ressuscitar os “hornets”?
Nos últimos tempos, o Watford tornara-se num clube onde jogadores e treinadores não aqueciam o lugar, com uma equipa marcada pela falta de identidade dentro e fora de campo, sem estar numa verdadeira luta pela salvação, mas sem entusiasmar os seus adeptos. Marco Silva deu à equipa precisamente o que ela precisava: para Vicarage Road, o treinador levou um futebol focado no contra-ataque e muito bem organizado.
A abordagem ao mercado de transferências foi cuidadosa e com planos para contratar mais jogadores ingleses e jovens atletas – as aquisições de Chalobah e Hughes foram muito elogiadas –, mas também com o intuito de satisfazer as necessidades de Marco Silva. Para o seu futebol veloz e de contra-ataque, o técnico português privilegiou sempre extremos com capacidade para criar problemas aos laterais adversários, jogando bem abertos, mas também causando estragos em zonas centrais e à frente da baliza – Pardo, Hernâni e Durmaz, na época que passou no Olympiacos, Nani e Carrillo no Sporting e mesmo nomes como Licá e Sebá, no Estoril. Assim, tal como fez quando chegou ao Hull – com as aquisições de Grosicky e Markovic –, o treinador escolheu dois extremos cuja influência na equipa fosse essencial para o desempenho da mesma: Carrillo e Richarlison. Enquanto o internacional peruano teve um impacto positivo, embora menos notado a nível colectivo, o brasileiro Richarlison tem sido a surpresa da Liga inglesa e a força motriz por detrás deste Watford, tal como mostram os GoalPoint Ratings.
GoalPoint Ratings para a equipa-tipo do Watford nas primeiras oito jornadas
* chegado em 2017/18

O brasileiro é a definição de um avançado completo. A arrancar da esquerda, Richarlison tem uma média de 3,6 remates p/90m – a maioria na grande área (2,6) –, a que junta 2,2 dribles completos p/90m e 1,2 passes para finalização em jogo corrido, o melhor na equipa dos “Hornets”. Embora goste de ter a bola nos pés, também não é avesso à luta física: é um jogador muito difícil de desarmar de forma legal (como mostram as 3,6 faltas sofridas p/90m, e só estrelas como Hazard e Alexis conseguem mais) e ganha cerca de 3,8 duelos aéreos – o que encaixa bem com o facto de a sua equipa ser a segunda na Premier League com mais duelos aéreos ganhos por partida. Nenhuma formação na Liga inglesa regista uma maior percentagem de ataques originários do flanco esquerdo do que o Watford (41%), mais um facto que mostra a dependência em relação ao jovem de 20 anos. Mais ainda se tivermos em conta a modesta época que está a ter a outra contratação sonante do Verão para a frente de ataque – a velocidade de Gray é útil, mas o ponta-de-lança não fez nada de relevante nos seis jogos que iniciou a titular até ao momento.
No meio-campo o ênfase tem recaído sobre Chalobah e Doucouré – a dupla tem capacidade para cobrir uma grande porção de terreno e, ao mesmo tempo, fazer dar apoio à linha defensiva –, que recuperam a posse de bola 7,7 e 7,8 vezes a cada 90 minutos, respectivamente. Mas também são fundamentais na forma como apoiam a equipa no ataque, algo que cumprem de maneira bem distinta um do outro.
Chalobah pode transportar jogo desde zonas bem recuadas, completando 1,5 dribles p/90m, e chega muitas vezes perto da grande área adversária, com um registo de 2,6 remates na sequência de lances de bola corrida (1,1 deles dentro da grande área contrária) – apenas Richarlison remata mais.
Por seu turno, Doucouré marca a sua influência através do passe: os seus 62 passes p/90m são especialmente impressionantes tendo em conta que Cleverley é o segundo nessa lista, com apenas 47. E não se trata de passe apenas para reter a posse de bola: o internacional Sub-21 francês regista 1,1 passes para finalização de bola corrida, enquanto os colegas Chalobah e Cleverley somam, juntos, 0,9. Curiosamente, Doucouré é o melhor marcador da equipa ex aequo, com três golos, mas este número parece difícil de manter, uma vez que o jogador finalizou com êxito metade dos seus seis remates.
Defensivamente surgiram preocupações em torno do facto de Marco Silva ter já utilizado seis defesas-centrais diferentes ao longo destes oito encontros. Contudo, o sistema relativamente simples do treinador português ajuda a equipa a manter-se compacta defensivamente, o que beneficia a linha mais recuada e torna-a menos dependente dos desempenhos individuais.
Ao contrário do centro da defesa, Kiko Femenia e Holebas assumiram posições bem abertas. Não só têm muito trabalho defensivo pela frente, são também peças importantes no ataque – estão ambos entre os oito melhores laterais da Premier League no que toca a dribles p/90m (nenhuma outra formação tem dois nesta lista) –, o que garante profundidade e combinações com os extremos.
Médias por jogo na Premier League 17/18
Se é verdade que os comandados de Marco Silva ganham o segundo valor mais elevado de duelos aéreos p/90m (apenas atrás do Burnley), tal não define necessariamente o seu estilo de jogo. Pelo menos não em termos ofensivos, uma vez que a equipa não joga um futebol de “pontapé para a frente” – 11º na Liga em passes longos –, nem coloca muito ênfase nos cruzamentos: os seus extremos tendem a flectir para dentro quando em posse de bola, em vez de para fora ou rumo à linha de fundo, pelo que é o segundo conjunto da Liga inglesa com menos cruzamentos, apenas atrás do Arsenal. A grande quantidade de duelos aéreos ganhos justifica-se pela forma como a equipa se posiciona atrás, sem bola, e pelo modo como lida com os cruzamentos adversários, com a linha defensiva a ter um desempenho acima da média pelo ar. Por outro lado, tal como acontece com qualquer outro treinador astuto, as equipas de Marco Silva tendem a tirar benefício das bolas paradas, pelo que é a quarta formação na Premier League no que toca a golos apontados através deste tipo de lances.
O Watford é bem dirigido – capaz de se adaptar a vários tipos de adversários e situações –, melhorou em relação ao ano passado e não está ainda no seu máximo potencial: Pereyra e o capitão Troy Deeney começaram a ter minutos de jogo muito recentemente, enquanto Will Hughes ainda não se estreou e nomes como Success ainda estão a contas com lesões. Contudo, acreditamos que o Watford está numa fase de sobre-rendimento que não deverá prolongar-se por muito tempo. De facto, quatro dos seus 13 golos surgiram após os 90 minutos – tentos que tiveram uma influência directaem um terço dos seus pontos –, e a equipa tem sido feliz em partidas nas quais os adversários causaram mais perigo. Sem esquecer os dois pontos anteriores: os golos de Doucouré não vão acontecer com tanta frequência e o conjunto está ainda demasiado dependente de Richarlison. Os seus números apontam claramente para um lugar a meio da tabela e, à medida que a temporada se desenrolar, o Watford deverá aproximar-se mais dessa zona da tabela e ficar mais longe do quarto lugar que agora ocupa.