Na 15ª jornada da Premier League, o todo-o-poderoso Chelsea (3-2) caiu na visita ao London Stadium. Quatro jornadas antes, outro dos “tubarões” do Big Six também escorregou neste teste londrino pelo mesmo resultado. São apenas dois enormes exemplos daquilo que o West Ham tem feito esta temporada. Decorridas 16 jornadas da Premier – à altura da escrita desta análise -, os “hammers” ocupam o quarto posto com oito triunfos, quatro empates, quatro derrotas, 28 golos marcados e 19 sofridos. Já reservaram o bilhete para os oitavos-de-final da Liga Europa e eliminaram o Manchester City – crónico vencedor da competição – alcançando os quartos-de-final da Taça da Liga inglesa.
[ A vitória do West Ham no dérbi com o Chelsea ]

A base do projecto está lançada. Contratações cirúrgicas e aposta na “cantera” estão na base do sucesso. Apesar do bom arranque, o treinador dos londrinos coloca um travão na euforia.
“Somos uma equipa em crescimento. Queremos formar um conjunto jovem e assentar as bases para que no futuro possamos estar na parte alta da classificação da Liga. Temos muita confiança naquilo que fazemos”
[ David Moyes, citado pelo diário Marca ]
Depois de na temporada transcorrida ter lutado até aos últimos instantes por uma vaga entre os quatro primeiros, o West Ham acabou no sexto posto. Um processo que tem sido construído “step by step”, de forma consistente e que tem ao leme um velho conhecido: Moyes. David Moyes. O escocês já tinha vestido a pele de salvador em 2017, quando ocupou a vaga deixada em aberto por Slaven Bilic e conseguiu salvar a equipa da descida de divisão. Cenário que se repetiu a meio da época 2019/2020, substituindo o chileno Manuel Pellegrini. Safou os “hammers” do Championship e começou a delinear as linhas com que o conjunto se está a coser actualmente.
“Creio que nem todos os adeptos pensaram que fosse a escolha mais correcta. Estávamos numa posição difícil e arrisquei. A chave foi que conhecia bem os jogadores e ajudei-os a melhorar a condição física”, confidenciou o escocês de 58 anos, que tem mais de 1000 jogos enquanto treinador e que já orientou o Preston, Everton, Manchester United, Real Sociedad e Sunderland.
Porém, para se ser competitivo na alta roda da Premier League é preciso ter dinheiro e saber gastá-lo. O West Ham tem feito isso, sabe o que quer e aposta de forma criteriosa os milhões que tem, sendo que nas últimas três temporadas ultrapassou a fasquia dos 200 milhões de euros e apetrechou o plantel com elementos que se têm revelado preponderantes, casos de Soucek – de quem já falámos –, do compatriota Coufal, Dawson, Fornals, Benrahma, Bowen ou mais recentemente de Zouma. A estes nomes, juntam-se peças como António, Declan Rice, Aaron Cresswel ou o capitão Mark Noble.
“Queremos trazer futebolistas que melhorem a equipa. As contratações são decisão do treinador, não podemos trazer jogadores que ele não queira. Temos fundos limitados e antes já tínhamos trazido vários futebolistas, escolhidos por antigos treinadores, que não funcionaram”, salientou um dos proprietários do clube, David Sullivan.
Outra fórmula que tem sido utilizada com sucesso tem sido a formação, um aliado histórico do clube, que já lançou nomes como Bobby Moore, Paul Ince, Frank Lampard, Joe Cole ou Michael Carrick, por exemplo. Actualmente há Rice (que também passou pela Academia do Chelsea), o capitão Noble ou o polivalente lateral Ben Johnson de 21 anos, que tanto actua no corredor direito, como no canhoto e que já leva 13 partidas e um golo marcado.
Filosofia de jogo bem vincada
A base dos londrinos assenta num 1-4-2-3-1 – embora, como no jogo ante o Chelsea, possa ser transformado num 1x3x4x3 –, contundente a defender, consistente na zona central do meio-campo (parte das acções passam pelos pés dos insubstituíveis Declan Rice e Soucek) e veloz e incisivo a atacar, lançando as diabruras de Bowen, Fornals, Benrahma e do “panzer” Michail Antonio, que contribuem para que os “hammers sejam”, nesta altura, o quarto melhor ataque da Premier League, com 28 golos – atrás de Liverpool (45) Chelsea (38) e Manchester City (33).
[ Os 28 golos do West Ham ]

Estas características são também visíveis nas estatísticas colectivas que o West Ham apresenta até ao momento e nos nossos mapas. A observação aos jogos dos londrinos mostra-nos uma equipa que sabe fechar-se, esperar pelo adversário no seu meio-campo, para depois explorar as alas e as transições rápidas, muitas vezes em bloco e de forma apoiada.
[ As acções defensivas (esq.) e as recuperações de posse do West Ham na EPL 21/22 ]
A equipa de Moyes era, à 16ª jornada, a terceira com menos acções defensivas no meio-campo adversário (9,4 por 90m), um indicador de que não é na pressão mais adiantada que baseia o seu futebol. No último terço é mesmo a segunda equipa com menos acções defensivas na Premier League (3,8) – só o aflito Newcastle (3,6) tem menos -, enquanto no terço intermédio (13,2) e no primeiro terço (42,3) a conversa é outra. Estes números batem totalmente certo com os mapas de cima, de acções defensivas e recuperações de posse, nos quais fica claramente visível a preponderância destes momentos no seu próprio meio-campo e até na grande área. Depois é desenrolar os processos ofensivos.
[ Conduções aproximativas sem perda de posse (esq.); passes super aproximativos (dta.) nesta Premier League ]
Nos momentos ofensivos, o West Ham tem médias de desempenho nas principais variáveis que encaixam bem com a actual classificação. A ver:
- Líder em em ocasiões flagrantes convertidas (55,6%), em 1,7 por 90 minutos;
- 4ª equipa com mais xG (1,5) – líder é o Liverpool (2,5); 5ª em saldo positivo xG (0,3);
- 2º em cruzamentos de bola corrida (16,1);
- 5º em ocasiões flagrantes criadas (1,4) – líder é o Liverpool com 3,1;
- 5º em remates (14,1); 5º em remates de bola corrida (10,4);
- 5º em remates na área (8,6);
- 5º em acções com bola na área contrária (24,4) – líder é Man City (41,5) -, mas só 13º no total de acções com bola (598,6), o que aponta para um claro pragmatismo no seu futebol;
- 6º em remates enquadrados (4,9)
- 7º em conversão de remates (11,5%)
Olhemos para estes números – que apontam para uma equipa competente e objectiva no ataque – em conjunto com os mapas acima. A recuperação da posse e a destruição dos ataques adversários acontecem em zonas mais recuadas, depois os momentos ofensivos são feitos em bloco, com recurso aos corredores laterais, como se pode ver nas conduções aproximativas sem perda de posse – linhas tracejadas no mapa da esquerda -, mas também nos passes super aproximativos – mapa da direita.
O West Ham não é uma equipa de passe longo (apenas cerca de 10,8%), nem do famoso “kick and rush”, e nem os números de passes aéreos ou verticais para remate mostram outra realidade. O cariz britânico da equipa de David Moyes está sim na forma como a equipa explora os corredores para criar os seus lances de perigo, imagem de marca de um 1-4-2-3-1 que, sem a pressão de lutar pelo título ou conseguir resultados extraordinários em ataque continuado, assenta que nem uma luva às características dos jogadores dos “hammers”.
Longo jejum de títulos
Desde a longínqua temporada 1980/81 que o West Ham não vence um troféu, no caso a Liga Inglesa (ainda não se chamava Premier League), e a última vez que registou a presença numa final foi em 2006, quando perdeu diante do Liverpool a FA Cup da marca dos 11 metros.
“A grande questão que as pessoas nos colocaram foi se nos iríamos acostumar a jogar a Liga Europa e o campeonato. Descobrimos que conseguimos. Mas ainda falta muito, se quisermos ser uma grande equipa não poderemos facilitar”, atirou Rice, titular da selecção inglesa e uma das coqueluches deste sensacional West Ham.