Wolves: A filosofia “make it count” de Bruno Lage 🐺

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As épocas passam e o Wolverhampton continua a ser o clube mais português de Inglaterra, e nem a cor dos equipamentos escapou à moda lusitana no Molineux. Poucos serão os nossos conterrâneos que não sentem o impulso de acompanhar os jogos ou pelo menos os resultados do Wolves. Além da grande quantidade de jogadores lusos, actuais ou que já passaram pelo “lobos”, é no banco que a influência portuguesa mais se faz notar. Após quatro temporadas de reinado – positivo – de Nuno Espírito Santo, foi sem surpresa que Bruno Lage foi chamado ao comando do emblema inglês e esta é a melhor altura para falarmos do seu trabalho, ou não tivesse sido ele o eleito como treinador do mês da Premier League.

O ex-timoneiro do Benfica chegou, viu e está a convencer a crítica e os adeptos, e nada como olhar para alguns números para tentarmos perceber onde reside o sucesso do técnico sadino, numa relação directa com a identidade de jogo da equipa, números que explicam a ideia de jogo e diferenças principais em relação ao passado recente.

Este é talvez o feito maior dos “lobos” de Lage esta temporada na Premier League, a vitória por 1-0 na casa de um gigante do futebol inglês, o Manchester United, que de forma mais ou menos inesperada se tornou, entretanto, numa espécie de adversário directo. Porém, não foi o único momento alto. O Wolverhampton soma dez vitórias, quatro empates e sete derrotas neste momento, e quatro desses triunfos aconteceram nos últimos cinco encontros, com um empate pelo meio.

A última derrota aconteceu pela margem mínima (1-0) em casa do campeão Manchester City. Desde então seguiram-se um triunfo no reduto do Brighton (1-0), um empate na visita ao Chelsea (0-0), o tal sucesso em Old Trafford (1-0), uma vitória tranquila em casa ante o Southampton (3-1) e mais um triunfo no recinto do Brentford (2-1). Mesmo os “tubarões” têm de colocar em campo todas as suas armas para derrotar o Wolves, e como se vê, muitas vezes sem sucesso. Qual o segredo da equipa de Bruno Lage?

Sem revolução, mas com ideias próprias

Bruno Lage teve o cuidado de não mudar tudo. A passagem de Nuno Espírito Santo pelo comando da equipa foi muito positiva e o treinador português deixou o clube sob a admiração dos adeptos. Uma revolução, de jogadores e ideias basilares, seria um convite ao insucesso e Lage evitou esse cenário. Reconhecido pelo 4-4-2 que implementou na sua passagem pelo Benfica, o sadino escolheu manter o 3-4-3 que NES havia implantado como identidade da equipa, com a “impressão” digital de quem tem ideias e concepções próprias.

“Vamos ter dificuldades no Inverno, temos um plantel curto”. Lage disse-o há uns meses, mas, curiosamente, é no Inverno que a equipa tem conseguido os melhores resultados, de forma consistente. O plantel é mesmo curto, pois além dos guarda-redes, o técnico dispões de apenas mais 18 atletas – o facto de não disputar provas europeias ajuda. Todos sabem o seu papel no grupo e em campo e, com isso, todos são importantes e têm consciência de que as oportunidades de jogar surgirão.

Linhas recuadas para proteger José Sá

O 3-4-3 deste Wolverhampton assenta num futebol apoiado, nos diversos momentos de jogo. Esta tem sido a chave para o funcionamento do colectivo, em todos os sectores, numa entreajuda que beneficia, acima de tudo, a qualidade defensiva. Os “wolves” são a segunda melhor defesa da Premier League, com apenas 16 golos sofridos, mais dois que o Manchester City. E os culpados são muitos, a começar lá atrás, com José Sá. O guarda-redes português tinha a complicada tarefa de fazer esquecer o consagrado Rui Patrício e tem feito bem mais do que isso, suplantando-o em diversos aspectos. O ex-FC Porto é mesmo o guarda-redes, com mais de 990 minutos de utilização, a ter melhor percentagem de remates enquadrados defendidos (81%) e o segundo em golos evitados em relação às Expected Saves – 4,6, atrás dos extraordinários 9,1 de David de Gea, do United.

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Porém, até para chegar a Sá, os adversários do Wolves têm vários obstáculos pela frente. A equipa do Molineux é a quarta da Premier League com menor média de remates permitidos (11,8), apenas atrás das três da frente, Manchester City (6,6), Liverpool (8,5) e Chelsea (9,5). Maximilian Kilman, Conor Coady e Romain Saïss têm sido os homens mais utilizados no trio de centrais de Lage e verdadeiramente fundamentais para a solidez defensiva da equipa, muito confortáveis num posicionamento bem recuado, sem usar a pressão alta como arma, e com uma ligação consistente com os alasNélson Semedo e Marçal – para bloquear os muitos cruzamentos que os seus adversários tentam. O Wolverhampton é, com o Aston Villa, a equipa que mais bloqueios de cruzamento regista na Liga inglesa, em média por jogo, cerca de 2,1.

Bruno Lage percebeu precisamente o que era preciso para ter sucesso na Liga inglesa, fechar as portas da defesa, bloquear cruzamentos, explorar as características das equipas da Premier League, raramente adeptas de esquemas demasiadamente defensivos e muitas vezes generosas a dar espaços na retaguarda. O posicionamento mais recuado da equipa é um dos pilares dessa ideia, como já vimos defensivamente, mas o meio-campo também tem uma importância fulcral nesta ideia.

[ As acções defensivas do Wolves em 20/21 (esq.) e 21/22 ]

João Moutinho e Rúben Neves (ou Leander Dendoncker) são os dois homens do eixo central do meio-campo, jogando praticamente lado a lado, o que permite esse recuo, bem como a cobertura de zonas mais laterais, em conjugação com os alas, mas quase sempre sem realizar uma pressão em zonas mais adiantadas, muito menos no último terço. O Wolves é quinta equipa que menos acções defensivas realiza nos meios-campos contrários (9,6), a terceira que menos o faz no último terço (4,0), mas lidera nas acções defensivas no primeiro terço (50,9), demonstrativo claro do recuo de linhas e da pouca pressão sobre o portador da bola em zonas altas, em conjunção com um posicionamento mais rígido dos seus jogadores, com o intuito de impedir transições rápidas adversários. Depois, é aproveitar ao máximo quando a equipa tem a posse de bola e fazer estragos na frente.

Apesar de o Wolves ser a equipa na Liga inglesa que mais passes precisa para realizar um passe para finalização – 56,2 –, e ser a terceira com menos passes para remate (7,5 por partida), a verdade é que um dos pontos positivos da equipa esta época é mesmo a forma como faz contar os passes que realiza, não tanto no contexto da Liga, mas em comparação com 2020/21. Esta temporada, os “lobos” têm uma média inferior de passes (419,6 contra 438 em 2020/21), menos passes para finalização (os tais 7,5 para 9,1), mas acumulam 1,2 ocasiões flagrantes de golo (0,7 em 20/21), 0,9 das quais em bola corrida (0,4). O passe longo (51,6-48,6) e o passe longo vertical (31,5-29,2) passaram a ser armas mais utilizadas, aproveitando o tal recuo e os espaços que os adversários oferecem.

[ Romain Saïss (esq.), com 30,8, Rúben Neves (ctr.), com 17,4, e Kilman, com 20,3, são os jogadores do Wolves (+990 mins) com maior média de passes verticais por 90 mins ]

Em relação ao Wolves de Nuno Espírito Santo, e num exercício meramente comparativo, o de Bruno Lage regista médias mais reduzidas de conduções de bola (22,5-18,1), de conduções aproximativas (15,1-12,0) e muito aproximativas (3,4-2,6), assumindo maior protagonismo os passes de ruptura (0,5-1,6) e os passes ofensivos valiosos (15,8-18,1) – impressões digitais das transições rápidas – mantendo níveis semelhantes de passes aproximativos (que permitem aproximação à baliza de pelo menos 25% e no mínimo de oito metros).

[ Rúben Neves (esq.) é quem tenta mais o passe de ruptura (0,7), mas com pouco sucesso; o português (ctr.) e Saïss (dta.) os que mais usam o passe aproximativo (4,9-7,6) ]

Nos momentos de ataque posicional, as combinações colectivas assumiram um papel mais importante que os lances individuais, com a criação de diversas triângulos para combinações entre os médios, os alas a os avançados, sendo que há grande alternância nos utilizados por Lage, com Francisco Trincão e o coreano Hwang Hee-Chan os mais utilizados no apoio a Raúl Jiménez, com Daniel Podence à espreita e Adama Traoré – entretanto saído para o Barcelona – as alternativas mais consistentes, sempre com ordens para ajudar a ajudar a tapar os flancos.

[ Os posicionamentos médios e rede de passes de 20/21 (esq.) e 21/22 – fundamental o papel dos médios-centro ]

O problema tem sido a conversão desse plano em golos. O Wolverhampton é o terceiro pior ataque da prova, com 19 golos apontados (média caiu de 0,9 para 0,8 desde a temporada transacta, uma diferença pouco relevante), até remata menos que na época passada (12,2-10,3), mantendo uma taxa de conversão de remate apenas ligeiramente superior (7%-8%, a sexta pior de 21/22).

Com estes números ofensivos, não é difícil concluir que a grande força deste “novo” Wolverhampton tem sido mesmo a ideia defensiva que Bruno Lage idealizou para tirar o máximo partido das características da própria Premier League, potenciando as melhores características dos seus executantes, com destaque para José Sá, o trio de centrais e a dupla de médios-centro. Tapar os caminhos para a baliza, sofrer o menor número de golos possível e tirar o melhor proveito dos momentos ofensivos parecem ser a chave para o sucesso dos “lobos” e da sua “armada” de portugueses.

O oitavo lugar actual, à 23ª jornada (a equipa do Molineux tem apenas 21 jogos disputados), é já um bom registo, mas conseguirá o técnico português levar o emblema inglês a mais altos voos?

Pedro Tudela
Pedro Tudela
Profissional freelancer com mais de duas décadas de carreira no jornalismo desportivo, colaborou, entre outros media nacionais, com A Bola e o UEFA.com.