Em 1991 o Benfica contratava um carismático ucraniano (que optou ser russo mas isso são outros 300) para apimentar a frente de ataque, com o seu futebol e também com a sua personalidade peculiar. O pouco discreto Sergej Yuran somaria 34 golos em 96 jogos de “águia” ao peito, antes de rumar ao FC Porto, numa mudança que aqueceu a novela do Futebol português. Passados 30 anos o Benfica volta a contratar um avançado-centro ucraniano, formado na mesma escola (Dínamo de Kiev), por 17 milhões de Euros, embora Roman Yaremchuk chegue de uma escala bem sucedida no futebol belga, onde se afirmou ao longo de quatro épocas, ao serviço do Gent.
Tantos avançados? Provavelmente não…
“Mais um avançado?” perguntam alguns benfiquistas, perante um plantel que conta neste momento com Seferovic, Darwin, Vinícius, Rodrigo Pinho, Gonçalo Ramos e até Waldschmidt. Ora a chegada do ucraniano prenuncia o óbvio: os “encarnados” preparam-se certamente para encurtar opções na linha da frente, sendo os dois nomes mais referidos os de Seferovic e Vinicius, curiosamente os últimos dois goleadores a notabilizarem-se de encarnado, nas últimas três épocas.
No entanto, ainda nenhum dos referidos se despediu da Luz e como tal, vamos usar a maioria representativa (deixando de fora Gonçalo Ramos por minutagem e Luca pelo uso que teve na última época) como pontos de comparação que nos ajudarão a perceber, com dados, como Yaremchuk joga e se distingue das opções existentes.
Golos em crescendo… sem ser um “pinheiro”
A última época de Roman ao serviço do Gent foi precisamente não só a mais goleadora (20) como aquela em que quase atingiu as 30 acções para golo (27), contabilizando também as suas assistências. Os números são promissores, até porque surgem num crescendo consistente, desde que chegou à Bélgica, mas foi também a primeira vez que o ucraniano atingiu a barreira dos 20 tentos. Este facto, mais do que constituir um ponto negativo, funciona sobretudo como uma pista: o futebol de Yaremchuk é muito mais do que apenas o somatório das acções para golo que acumula, e os próximos analytics que iremos partilhar confirmam essa ideia.

Outro factor positivo na última época de Roman é o total de minutos que disputou, o que revela uma aparente “invulnerabilidade” a problemas físicos (com excepção da infecção COVID-19 da ordem) e disciplinares, que certamente agradará aos “encarnados”. Ao todo o avançado disputou 3.530 minutos divididos por 43 jogos, isto apenas ao serviço do Gent (sem contar com a Selecção, pela qual marcou presença no EURO 2020). Os 2.888 minutos que disputou na Liga belga suplantam os totais de qualquer dos avançados do Benfica apresentados no comparativo gráfico.
Na pista do estilo de jogo de Roman
Não se deixe enganar pela estatura (1.91m) de Yaremchuk pois, para o bom e para o mau, ela não o define como um homem da área estático e oportunista, embora a “estampa” lhe dê muito jeito para potenciar outras qualidades igualmente úteis e bastante mais associativas.

Os dados da última época mostram-no tão rematador como as “águias” de gatilho mais fácil, mas nem por isso tão eficaz na concretização, facto ao qual não é alheia uma particularidade que abre o livro sobre as características “imprevistas” que destacaremos mais adiante: o ucraniano ensaia o disparo a uma distância média superior a homens como Vinicius e Seferovic. A menor frequência com que usufruiu de ocasiões flagrantes de golo (quando comparado com os dois avançados já referidos), tendo certamente explicação parcial na ideia de jogo do Gent, é outro indicador de que Roman não cumpre apenas o papel do homem que aparece na área para encostar ou cabecear para o fundo das redes, na cara do golo.
Um falso “pinheiro”… muito associativo
Apesar da sua estatura, Yaremchuk não se mostra especialmente frequente ou eficaz na disputa de duelos aéreos (ainda assim os 44% de eficácia não são de todo um registo pobre) e muito menos um “Mário Jardel” na concretização aérea: tentou apenas 10 dos seus 103 remates na Liga pelo ar, somando 3 golos dessa forma, em 20 totais.

Para que usa então Yaremchuk a sua estampa física? A resposta está no resto, com os dados (e algum vídeo, claro) a esclarecerem que tipo de avançado é Yaremchuk. As cerca de 42 acções com bola a cada 90 minutos revelam um jogador bem mais associativo e participativo na construção de jogo do que qualquer um dos avançados comparados, a um nível mais próximo de um nome que, quando referido, desperta de imediato saudades entre os benfiquistas: Jonas.
O ucraniano não é certamente um Jonas, mas mostra-se ao jogo em terrenos que fazem recordar o papel que o brasileiro desempenhou no Benfica, procurando frequentemente os espaços entre a primeira e segunda linha defensiva do adversário para oferecer soluções, tabelas e oportunidades de desmarcação aos colegas, sendo precisamente aí que faz uso das suas características físicas, incluindo uma velocidade atípica para a sua morfologia. O eslavo tem ainda a tendência para não “acampar” no corredor central, procurando com frequência oportunidades pelos flancos, em particular o direito.
Se atentar no último grafismo publicado acima poderá reparar que não só Roman participa muito no jogo (acções com bola) como protege a posse com maior eficácia que os restantes avançados “encarnados” (apenas 27% de posses perdidas), o que o capacita para o desempenho do papel de um segundo avançado problemático, para o adversário claro.
Ao jogar em terrenos mais profundos, Yaremchuk protagoniza com frequência incursões em corrida, com bola ou desmarcação, que provocam disrupção na defesa adversária. Com este perfil não admira que suplante os restantes avançados do Benfica na média de passes aproximativos que realiza (2,0 p90, Seferovic e Darwin ficam-se pelos 1,3 apesar de serem os mais próximos) e também na eficácia e frequência com que acumula conduções aproximativas, facto em que apenas se equipara a Darwin mas ultrapassando o uruguaio no rácio de incursões que soma sem perder posse (71% contra 52%).
Pese este perfil interessante e promissor nem tudo foram rosas, pelo menos na época passada, como por exemplo no drible, onde ensaiando uma média de 2.2 não foi além dos 37% de eficácia (Darwin chega aos 42% em cerca de três tentativas em média por 90 minutos). Um aspecto a melhorar.