Publicado originalmente a 4 de Abril de 2020
Os adeptos conhecem bem o sentimento, ora de entusiasmo ora de pânico, que antecede a cobrança de um livre directo. Sejam as palmas esperançadas a marcar o ritmo do batedor, ou o silêncio ensurdecedor que precede o disparo adversário, a verdade é que estes momentos de tensão acrescentam muito ao ambiente do Futebol.
São muitos os jogadores que, ao longo da história, nos fizeram tremer, de antecipação ou receio, pela fama que obtiveram na cobrança de livres directos. Do “power” de Roberto Carlos, ao “bend” de David Beckham, passando pela classe de Juninho “Pernambucano”. Quem são os actuais herdeiros desta fama? Quem a justifica, com números, e quem fica aquém do estatuto de que usufrui? Eis a descoberta a que nos propomos, à qual não é alheia a recente discussão em redor do estatuto de cobrador da Selecção, entregue a Cristiano Ronaldo. Partimos então em busca de respostas, recorrendo ao histórico de dados Opta / GoalPoint das principais seis Ligas europeias (Top 5 + Liga NOS) das últimas quatro épocas, ou seja, desde 2017/18 até à temporada em curso.
A “pulga” incontornável e um inglês que poucos esperavam
O nome do jogador que mais livres directos cobrou nas principais Ligas europeias nas últimas quatro épocas não surpreenderá os mais atentos, mas o mesmo já não se poderá dizer da distância que o separa do segundo classificado, curiosamente ambos reconhecidos como os dois melhores jogadores da sua era. Leo Messi assumiu nada menos do que 159 cobranças e atrás dele surge Cristiano Ronaldo com 66.
O argentino lidera não só no total de livres cobrados como também no número de golos obtidos, com 19. O segundo maior “goleador” da disciplina é certamente uma surpresa para a maioria dos leitores: James Ward-Prowse. O médio inglês do Southampton (26 anos, €28M de valor de mercado), que soma apenas seis internacionalizações pela Selecção dos “três leões”, concretizou nove golos em 53 disparos de livre, desde o verão de 2017.
[ Os livres de Messi e Ward-Prowse desde 17/18 ]
Serão estes os melhores batedores de livres nas principais ligas europeias? Messi (com uma taxa de conversão de 12%) não se limita a bater os livres diretos do lado direito do campo, nem tão pouco parece ter uma preferência do lado da baliza para onde aponta o seu disparo. Assumimos, então, que o astro argentino muda a sua abordagem em função do comportamento do guarda-redes e da posição da barreira, mas a verdade é que a sua eficácia é bem evidente.
[ O destino dos livres cobrados por Messi e Ward-Prowse, que chegaram à baliza/linha de fundo, desde 2017/18. A amarelo os golos ]
Já Ward-Prowse parece ter um livre-tipo, não só no que toca à colocação da bola, como também no local de onde assume a cobrança. Um livre que tende mais para o lado esquerdo do campo e rematado ao poste mais próximo é a impressão digital do inglês, que só esta época já leva quatro golos em 16 tentativas, na Premier.
Uma questão de eficácia
A nossa equipa favorita está empatada num jogo decisivo e foi assinalado um livre direto a 25 metros da baliza no último minuto. Quem escolheriam para bater essa bola parada: Cristiano Ronaldo ou James Ward-Prowse? Kevin De Bruyne ou Sergej Milinkovic-Savic? Os grandes são grandes e são-no porque não se escondem nas ocasiões fulcrais, mas os números dizem-nos que nem Ronaldo nem De Bruyne devem tomar balanço para disparar esse hipotético livre, mas sim Ward-Prowse ou Savic.
Iago Aspas (Celta de Vigo), Andrej Kramaric (Hoffenheim), James Ward-Prowse (Southampton), Sergej Milinkovic-Savic (Lazio) e Jonathan Schmid (Freiburg) são os únicos jogadores que ultrapassam os 15% de conversão de livres, na análise proposta.
Destacamos também alguns nomes presentes neste gráfico, uns pela sua passagem pelo futebol português, outros pela sua projecção no futebol mundial. Os temíveis Alex Telles e Bruno Fernandes convertem livres com uma eficácia dentro da média, mas é na bola parada indirecta que mais sobressaem. Enquanto isso, no PSG, Pochettino enfrenta um verdadeiro dilema: Neymar e Di Maria disputam um estatuto cujos números parecem favorecer o argentino.
No fundo da lista surgem De Bruyne e o “nosso” Cristiano Ronaldo. Com base nos números dos últimos quatro anos, Cristiano precisa de assumir 200 livres para marcar três golos. A sua eficácia é a mais baixa de todos os jogadores com pelo menos um golo de livre obtido desde 17/18, o que alimenta a discussão sobre o seu estatuto de indiscutível cobrador, na Juventus e na Selecção.
Que opção para a Selecção?
Cristiano Ronaldo é a figura-maior da História da Selecção de Portugal. Com um número de golos notável, o astro procura aumentar a sua conta de todas as maneiras e feitios, uma delas o livre directo. Mas por muito que queiramos ver CR7 ultrapassar Ali Daei, os números parecem indicar o que tanto o jogador como Fernando Santos já deviam ter percebido: o capitão não é a opção mais eficaz à disposição da “Selecção das Quinas”. Quem são então os melhores… do que o “melhor do mundo”?
[ Os livres cobrados por Ronaldo, Oliveira e Fernandes na(s) Liga(s), desde 2017/18 ]
Os números não deixam muitas dúvidas, tanto Bruno Fernandes como Sérgio Oliveira superam Cristiano, no que toca à qualidade e eficácia dos seus livres directos. Até mesmo Rúben Neves e João Moutinho surgem como possibilidades mais eficazes.
[ As cobranças de Bruno que chegaram à “linha”, desde 17/18, na(s) Liga(s) ]
Enquanto Sérgio Oliveira só cobrou 20 livres (convertendo dois, “três” se quiser contar com o último lance em Portimão, que acabou por ser considerado como autogolo), Bruno Fernandes tem uma amostra mais significativa, tanto no número de tentativas (51) como no sucesso (cinco, que bem podiam ser mais tendo em conta as três bolas nos ferros). Ambos os jogadores têm uma taxa próxima dos 10%, sete vezes superior à de Ronaldo.
E na nossa Liga?
Olhamos por fim a Liga NOS, alargando até a amostra de modo a cobrir as últimas cinco épocas, ou seja desde 2015/16 até à época em curso. Infelizmente, esse alargamento não resulta em números impressionantes, com nenhum jogador a exceder o registo de quatro golos marcados, de livre directo. Ainda assim não faltam nomes merecedores de destaque, e com taxas de conversão interessantes.
Bruno Fernandes: o mais eficaz goleador já cá não mora, mas ainda ninguém marcou mais do que ele no período em análise. Com quatro golos de livre em 33 tentativas, Bruno despediu-se da Liga com uma taxa de concretização de 12,1%.
João Novais: um preferido e um especialista, marcou quatro golos em 50 marcações. A barra trai alguns dos seus disparos mas ainda assim Novais enquadra 36% dos seus livres, um registo muito positivo.
Alex Telles: ninguém bateu mais livres na Liga do que Telles, desde 15/16. Em 51 cobranças somou três golos.
Bressan, Edgar Costa, Mathieu e Iuri Medeiros: somam todos três golos em menos de 25 livres batidos – feriram as balizas adversárias em poucas tentativas, o que resulta em eficácias a rondar os 13%.
Grimaldo e Carraça: ambos com mais de 40 livres tentados, o espanhol marcou dois e Carraça converteu apenas um.
Lindelof e Valenzuela: os únicos jogadores com uma taxa de conversão de 100%, tendo não só marcado um solitário livre nas épocas consideradas, mas também convertendo-o em golo.