Os pecados capitais de Portugal no EURO 2024

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(artigo publicado originalmente a 10 de Julho de 2024 e republicado a 23 de Agosto na sequência da entrevista de Roberto Martínez ao zerozero)

Parecia bom, mas depois foi-se a ver… e não era. O processo de Roberto Martínez revelou-se como uma fruta de aspecto promissor que, uma vez aberta, se revelou oca e sem sumo. Avançamos em seguida os pecados capitais de Portugal no EURO 2024, fundamentados com analytics.

Portugal rematou muito mas…

◉ Portugal despediu-se do EURO 2024 como a quarta equipa que mais rematou a cada 90 minutos, com 16 disparos (15,5)

◉ No entanto, a turma de Martínez concretizou apenas 3,4% desses remates, o penúltimo pior aproveitamento do torneio, batido pela negativa apenas pela (aberrante) França que, no entanto, teve um desempenho defensivo ainda mais sólido e decisivo, inclusive na hora de atirar Portugal para fora do EURO

StatsMap: Os 88 remates de Portugal, 35 deles de fora da área. A turma lusa enquadrou apenas 32% dos disparos dentro da área (um desempenho de meio de tabela) contra, por exemplo, 42% da Espanha na mesma zona. A diferença não esteve na quantidade, mas sim na qualidade

GoalPoint-Portugal-Remates-EURO2024

Tantos golos marcados como devidos

◉ Apesar de não impressionar ofensivamente, Portugal criou dez golos esperados (9,57 xG), o registo máximo a par de Alemanha e Espanha, selecções tidas como favoritas à entrada para os “quartos”

◉ No entanto… a Selecção marcou apenas cinco golos, terminando (a par da França) com uma “dívida” a si própria de outros cinco tentos expectáveis, o pior déficit do EURO até agora

Cristiano Ronaldo (-3,6 golos face ao esperado para as situações de que dispôs) foi o grande “responsável” por esta dívida, seguido por Diogo Jota (-0,67) e Vitinha (-0,65) com “prejuízos” mais marginais

◉ Os números desmistificam a ideia de que “a bola não chegou a zonas de finalização”. A bola chegou, mas Portugal não foi eficaz

StatsMap: O xG é representado pela dimensão dos pontos. Quanto maiores, maior o xG

GoalPoint-Portugal-Remates-xG-EURO2024

Muito “tricot”, pouca “frontalidade”

◉ Portugal despediu-se como a Selecção com “mais bola”, com 822 acções a cada 90 minutos

◉ No entanto, apenas 29 dessas acções ocorreram na área adversária, o que colocou Portugal como apenas a quinta Selecção com mais esférico na área contrária e com um peso de apenas 3,6% de acções na área, análise que atira Portugal ainda mais para baixo, para o oitavo posto

Conclusão: os números mostram que Portugal teve ascendente com bola sobre os adversários ao longo do EURO, mas mostrou menor capacidade para a levar até zonas de finalização, já na área contrária, quando comparada com boa parte das restantes Selecções que “contam” para o título

StatsMap: as acções de Portugal no EURO, com muita “mastigação” na zona intermédia lateralizada, com proporcionalmente pouca acção não só dentro da área como na zona imediatamente frontal à mesma

GoalPoint-Portugal-Acções-EURO2024

Não faltaram “arrancadas”… inconsequentes

◉ Um bom exemplo da “mastigação” lusitana (ou da pressão para procurar sempre a mesma solução para remate… leia-se Ronaldo) são os números de condução progressiva com bola. Portugal despediu-se com 19 conduções progressivas por 90 minutos, o maior registo do EURO e o mesmíssimo registo da entusiasmante Espanha de Yamal e Williams

◉ No entanto, enquanto os espanhóis concluíram três dessas conduções com remate a cada jogo (líder do EURO), já Portugal ficou-se por 1,4, apenas o décimo melhor registo do torneio

StatsMap: as conduções progressivas com bola de Portugal, muito concentradas no flanco esquerdo (de Rafael Leão), mas com o jogador a raramente procurar a finalização e/ou a encontrar soluções para a entregar a um colega em condições de recepção/remate

GoalPoint-Portugal-Conduções-EURO2024

Bola na área e fé no Ronaldo

◉ “Então e cruzamentos?” Pois… Portugal foi a equipa que mais tentou o cruzamento de bola corrida, com 21 a cada 90 minutos

◉ No entanto… quando começamos a “descascar” a qualidade de execução/recepção/aproveitamento desta insistência, percebemos como a coisa correu mal:

– 18,3% de cruzamentos eficazes – apenas sete equipas tiveram pior aproveitamento
– Apenas 1,4 finalizações nasceram de cruzamentos de bola corrida a cada 90 minutos, apenas o sétimo melhor registo
– Se estimarmos o peso de finalizações por cruzamento sobre o total de centros tentados, Portugal fica-se pelos 7%. Apenas seis equipas fizeram pior. Por exemplo a Espanha concluiu com finalização 15% dos cruzamentos que tentou

StatsMap: o “mikado” de cruzamentos de bola corrida de Portugal, com muita linha vermelha (insucesso) e pouco azul (cruzamento que chegou realmente a um português)

GoalPoint-Portugal-Cruzamentos-EURO2024

Bolas (literalmente) paradas em fartura

◉ Por fim o detalhe mais óbvio, as bolas paradas. Portugal beneficiou de oito livres directos, mais cinco do que qualquer outra Selecção

◉ O facto de não marcar qualquer golo não choca, afinal nenhuma Selecção o conseguiu fazer, ao dia de hoje. No entanto, os três que enquadrou com sucesso acabaram sempre por sair ao centro da baliza, sem perigo evidente (vide StatsMap)

Dos oito livres lusos, sete foram cobrados por Cristiano Ronaldo. Só ao quinto jogo (vs França) Bruno Fernandes teve oportunidade de tentar a sorte

◉ Os pontapés de canto de Portugal não mostram melhor cenário. A Selecção cobrou 30 cantos para a área, ninguém somou mais. No entanto, apenas 27% foram recebidos por um jogador luso. Muito? Pouco? Portugal teve 12 selecções a mostrar melhor eficácia na cobrança/recepção de cantos (ex.: Espanha, que nem sequer surge no topo, atingiu os 35%)

Curiosidade final: no meio de tanto cruzamento e canto, Portugal até rematou bastante de cabeça (18 vezes, mais só a Alemanha com 19), o que mais uma vez contradiz a ideia de que “a bola não chegou lá”. Sucede que, novamente, foi a qualidade a trair-nos: a Selecção enquadrou apenas 22% desses cabeceamentos eficazes. A Alemanha (por exemplo) enquadrou 47%

StatsMap: o destino dos livres directos de Portugal

GoalPoint-Portugal-Livres-Directos-EURO2024

Conclusão? No meio da previsiblidade… quantidade não é mesmo qualidade

◉ Teve ascendente com bola sobre todos os adversários, mas foi ineficaz no último terço e zona frontal
◉ Rematou o suficiente para marcar mais cinco golos, mas desperdiçou Golos Esperados, com Cristiano Ronaldo como principal protagonista do desperdício
◉ Cruzou muito, mas com muito pouca eficácia na entrega/recepção, tanto de bola corrida como parada
◉ Liderou nas “arrancadas” (condução), mas com fraco aproveitamento no desfecho, tanto na entrega para finalização como na finalização directa
◉ Beneficiou, mais do que qualquer outra Selecção, de bolas paradas directas, sem aproveitamento
◉ Defensivamente Portugal esteve bem. Com excepção de erros individuais ou falhas momentâneas, Portugal chegou aos “quartos” como a equipa que menos passes permitiu aos adversários por cada acção defensiva que realizou

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