A novela foi longa. Com diversos capítulos – ora chega, ora não -, mas, finalmente, o desfecho foi desvendado e Viktor Einar Gyökeres é jogador do Sporting até 30 de Junho de 2028, protagonizando a transferência mais cara de sempre dos “leões”. O dianteiro custou “20 milhões de euros, aos quais podem acrescer até quatro milhões de euros, condicionados ao atingimento de objetivos individuais e coletivos”, informaram os sportinguistas num comunicado divulgado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
Aos 25 anos, o internacional sueco terá a responsabilidade de justificar a maquia que será depositada na conta do Coventry City, que ainda vai ficar “com o direito a receber o montante correspondente a 15 por cento da mais-valia de futura transferência, percentagem que poderá ser reduzida para 10 por cento por opção da Sporting SAD ou em função da concretização parcial dos objetivos individuais e coletivos”, revelaram os “leões” à CMVM. A cláusula de rescisão do avançado nórdico está cifrada nos €100M.
Gyokeres: para ajudar ou complicar o “mal-amado” Paulinho?
O ingresso de Gyökeres, um pedido expresso de Rúben Amorim, poderá acrescentar mais poder de fogo ao ataque leonino, libertar Paulinho das críticas ferozes de que tem sido alvo e proporcionar ao técnico do emblema de Alvalade novas armas para apostar num sistema táctico alternativo. Se o plano inicial passar por manter o já tradicional 1x3x4x3, o reforço poderá actuar como a referência do ataque ou ainda descaído sobre o flanco esquerdo. Não obstante o alto valor desembolsado, a aposta dos “verdes-e-brancos” tem tudo para ser bem-sucedida, a opinião é de João Pedro Cordeiro em declarações à GoalPoint.
“É um jogador que traz um perfil completamente diferente à frente de ataque do Sporting. Oferece uma fisicalidade e verticalidade que os ‘leões’ não têm com Paulinho e Chermiti. É muito mais agressivo a atacar o espaço e as costas da linha defensiva adversária, e trará uma dimensão física com e sem bola que faltava ao ataque de Amorim. É um avançado muito mais de condução de bola e finalização – tem o chamado remate fácil e dispara sem cerimónias -, não sendo tão forte a jogar de costas para a baliza e a oferecer apoios frontais, daí que seja um perfil bastante diferente do de Paulinho. A sua mobilidade, versatilidade e capacidade para jogar descaído para um dos flancos diferencia-o de Chermiti, que é mais posicional. Nesse sentido, não será de estranhar ver Gyökeres ser complementar a qualquer um dos outros avançados do Sporting”, descreve o especialista e profundo conhecedor do futebol nórdico.
“Em jogos de maior domínio, pode muito bem ser utilizado a partir do corredor esquerdo (com ‘Pote’ no miolo junto a Morita, por exemplo) e aproveitar as associações com Paulinho para explorar o espaço e atacar zonas de finalização lançado pelo português. No Coventry foi a jogar ao lado de um avançado com um estilo semelhante ao de Paulinho (Matt Godden) que mais se evidenciou, beneficiando de ter alguém com quem tabelar, de ter um lançador, já que as suas grandes valias estão na mobilidade, agressividade a atacar o espaço e finalização”, acrescenta João Pedro Cordeiro.
Goleador brilhou no Championship
A chegada do nórdico tem causado sensação junto dos adeptos leoninos, expectantes sobre as qualidades do jogador. O nosso Twitter é um manancial em pedidos de comparativos entre atletas e um deles recaiu em Darwin Nuñez e sobre os seus números na última temporada antes de chegar ao Benfica, em contraponto com os de Gyökeres. O sueco tem 25 anos, é certo, mas as estatísticas no Coventry em 2022/23 batem, por alguma margem, os de Darwin (na altura 21 anos) na derradeira época no Almería. Bem mais golos e assistências, acções com bola, interveniência no jogo colectivo, um incomparável aproveitamento das oportunidades (golos – xGoals), e até nos passes para colegas e qualidade do drible. Motivos para euforias? Pelo menos para optimismo sim, embora haja muito mais a ter em conta.
Rápido, forte, com uma técnica apreciável e com a pontaria afinada – como demonstram os 40 golos carimbados nas duas últimas temporadas no Championship –, estas são algumas das características do novo camisola “9” sportinguista, que tem algumas lacunas a melhorar, principalmente no jogo aéreo, apesar da estampa física – 1,87 cm e 90 quilos. Aliás, em 2022/23 não marcou qualquer golo de cabeça pelos ingleses.
“Apesar da fisicalidade que oferece, não é um jogador particularmente forte no jogo aéreo. Não é um pinheiro de área, um homem alvo. É um jogador que está sempre activo no jogo, que desgasta, agressivo nas suas movimentações. Não tem muita pausa, pega na bola para progredir. A reacção dele a jogar contra blocos baixos e sem tanto espaço para explorar será a grande dúvida na sua adaptação à Liga portuguesa. É um jogador que floresce quando tem espaço para explorar e pode fazer uso da sua verticalidade”, salienta João Pedro Cordeiro.
Conseguirá o avançado justificar os altos valores inseridos na compra do seu passe e esta mudança de paradigma por parte dos de Alvalade?
“É uma aposta interessante por parte do Sporting por trazer um perfil diferente daquilo que existe no clube e pela possibilidade que oferece para cumprir diferentes funções em campo, mas os valores colocam alguma pressão no seu sucesso”, finaliza.
Aos 25 anos, o Sporting será o sexto clube de Gyökeres, ele que já representou o IF Brommapojkarna (nos escalões de formação e na equipa sénior), Brighton, St. Pauli, Swansea – sempre por empréstimo das gaivotas – e o Coventry. Pela selecção A da Suécia contabiliza 14 internacionalizações e três golos apontados.
A apreciação
Esqueça os preconceitos. Se é dos que acha que um ponta-de-lança sueco a rondar o 1,90m fica apresentado com estes três atributos (e se esqueceu da existência de Zlatan Ibrahimovic), Gyökeres está pronto a desafiar tudo o que imaginou. O Sporting foi a Coventry buscar e pagar por muito mais do que isso.
O volume de acções em momento ofensivo dá logo uma gigante pista. São mais de 40 a cada 90 minutos, algo que nenhum ponta-de-lança em Portugal fez na temporada passada e que fica bem acima das 30,6 de Paulinho ou das 27,3 de Chermiti. No entanto, é curioso “escavar” e perceber de onde vem a diferença. Se olharmos aos passes realizados, por exemplo, a distância para Paulinho é quase nula (21,9 contra 20,1). Onde Gyökeres sobressai em relação às opções anteriores do Sporting para a frente de ataque é no volume de acções individuais. O sueco é um jogador com um anormal e quase absurdo volume de conduções (2,9 / 90m) e tentativas de drible (5,9 / 90m) para a posição que ocupa. A confiança e naturalidade com que corre riscos é difícil de encontrar num avançado-centro a nível europeu e isso nota-se também no momento de alvejar a baliza. A média de remates de Gyökeres ronda os três por jogo, sendo que 60% dos seus disparos surgem de iniciativas do próprio e não na sequência de jogadas colectivas. A percentagem de remates por iniciativa própria de Paulinho é de 28% e a de Chermiti de apenas 20%. Mais, o sueco remata em média a cerca de 16 metros da baliza e progride 7,5 metros em condução antes de rematar, enquanto Paulinho remata a 12 metros da baliza e só “queima” 1,6 metros antes de atirar à baliza.
Forte, poderoso e de passada larga, o sueco é dos que resolve jogos sozinho, mas, atenção, se a sua qualidade de remate justifica a confiança com que tenta alvejar a baliza de posições pouco normais, a eficácia nas acções individuais nem sempre é a melhor. No último Championship, Gyökeres terminou com apenas 30% de dribles eficazes, e a percentagem de posses de bola que desperdiçou foi de 43%. Na Liga portuguesa 22/23 só dois pontas-de-lança (Tagawa e Anderson Oliveira) fizeram pior, o que deixa questões quando pensamos que no nosso campeonato encontrará ainda menos espaço do que tinha no Championship.
Se isto já seria suficiente para se perceber que o novo “9” de Alvalade está longe de ser um homem de área, isso nota-se ainda melhor na média de remates de cabeça (apenas 0,3 / 90m) e de disparos na sequência de cruzamentos (também 0,3 / 90m). Paulinho tem mais do dobro em ambos os parâmetros. Na verdade, nos últimos dois anos de futebol e em mais de 8300 minutos em campo (quase três épocas de Primeira Liga), Gyökeres fez apenas quatro golos de cabeça entre clube e selecção.
Não tão importante, mas também motivo de realce, é o baixo volume de acções defensivas do sueco. Não será obviamente essa a sua principal função, mas Gyökeres regista apenas 0,6 acções defensivas e 1,4 tentativas de desarme no meio-campo adversário a cada jogo. Ambas ficam abaixo da média de um ponta-de-lança na Liga Portugal (0,9 e 2,1, respectivamente) e, sobretudo, abaixo da média de um ponta-de-lança de equipa grande, tipicamente mais solicitado para acções de pressão e recuperação em zonas ofensivas.