Reforços | Jurásek, TGV ou comboio a vapor?

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Contratado a peso de ouro por €14M, naquela que foi a compra mais cara de um lateral por parte de clubes portugueses, David Jurásek chegou ao Benfica com a responsabilidade de assumir um posto que nas últimas sete temporadas e meia foi ocupado quase que em exclusivo por Alejandro Grimaldo. 

“Tivemos de substituir Grimaldo, que era ‘chave’ para nós. Tentámos o jogador certo e encontrámos o Jurásek. Penso que é um atleta com um perfil diferente do de Grimaldo, mas para ele o Benfica é um passo. Os jogadores jovens gostam do Benfica, é uma grande oportunidade para jogar num dos grandes clubes da Europa”, referiu há alguns dias o treinador dos encarnados, Roger Schmidt. O checo, que rubricou um contrato que vai vigorar até 30 de Junho de 2028 e que inclui uma cláusula de rescisão de €80M, foi o eleito para reforçar a vaga no flanco canhoto, onde terá a concorrência de Mihailo Ristić.

Aos 22 anos, David começou a carreira como extremo, mas foi recuando no terreno e explodiu na temporada passada com as cores do Slavia Praha, tendo em 44 jogos oficiais apontado dois golos e gizado 11 assistências, números que aguçam o apetite dos adeptos dos actuais campeões nacionais e que colocam um peso extra nas chuteiras do camisola 13.

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Com uma margem considerável para evoluir, Jurásek é um jogador mais vertical do que o antecessor, com uma forte propensão para o ataque, mas menos refinado no toque de bola, que se caracteriza por explorar mais a linha de fundo do que o jogo interior. Veloz – passada larga –, utiliza a estampa – 80 quilos e 1,84m – para se impor nos duelos físicos, cruzando com uma eficácia a ter em conta – os passes para golo que fez na temporada transcorrida são um bom cartão de visitas –, é rápido, tem uma capacidade de aceleração apreciável, um bom remate e é vertical. Estes são alguns dos pontos fortes da “locomotiva checa”, que poderá melhorar – recordamos que tem apenas 22 anos e que não fez a formação como lateral de ofício – no posicionamento defensivo e na capacidade para sair a construir na primeira fase de construção – algo que Grimaldo fazia com mestria.

Muitas vezes afoito nas acções, o três vezes internacional checo deverá equilibrar alguns parâmetros do jogo, tais como a eficácia e o critério do passe – é menos associativo e criativo do que Grimaldo ou até Ristic –, algo que tenta compensar com as constantes investidas no último terço do adversário. Em termos posicionais vai “tapando” algumas falhas defensivas, com a rapidez com que responde ao momento pós perda da posse da bola, pois comete alguns erros escusados – faltas desnecessárias.

“Jurásek é muito forte, é o chamado lateral ‘cavalo'”
(Pedro Henriques)

Antigo lateral-esquerdo, Pedro Henriques aceitou o nosso desafio e fez uma análise “swat” de David Jurásek. Para o comentador da Sport TV, o checo não tem as características de Grimaldo – o alvo Kerkez era mais parecido com o espanhol –, mas é uma boa opção para o flanco canhoto das “águias”.

“Tem questões boas que eu aprecio num lateral e que, por exemplo, o Grimaldo fazia mal e foi melhorando, mas demorou muitos anos: fecha bem por dentro, ou seja, quando o adversário cruza, ele posiciona-se bem na altura de defender. E acho que isso é o mínimo, o ‘bê-á-bá’ de um lateral. Um jogador desta posição que não faz isso, tem logo menos uma estrela em vez de ser cinco estrelas, tem quatro. É muito forte, é o chamado lateral ‘cavalo’, é de acelerar, de ir até à linha de fundo, cruza bem e remata bem. E já são quatro características importantes. É um jogador que desequilibra no processo ofensivo, sendo diferente do seu antecessor, já que não vem tão por dentro como Grimaldo, e é mais de fazer todo o corredor, vai à frente, cruza forte, tem capacidade para rematar, ataca bem, fá-lo com frequência e fecha bem por dentro o espaço entre ele e o central, o que é fundamental para qualquer jogador que actua nessa posição”, sinalizou o analista, que deixa alguns notas ao checo. “Gostei daquilo que vi, no entanto, precisa melhorar o entrosamento com o colega que joga à frente dele e também a eficácia do passe longo nas costas do lateral contrário em direcção a Rafa ou ao avançado.”

“Penso que Ristić está mais preparado”

A poucos dias do início oficial da época, Roger Schmidt ainda tem algumas dúvidas no esboço do “onze” que vai defrontar o FC Porto na Supertaça Cândido de Oliveira e uma delas reside no lado esquerdo da defensiva. Afinal, quem será o titular no clássico ante os “dragões”?

“Vendo os jogos da pré-época, acho que Ristić está mais preparado. O Benfica tem dois laterais-esquerdos de qualidade, melhor do que tinha na época passada na direita. Bah não era um jogador que defendesse bem, ainda comete erros de posicionamento – nesta estória de fechar o espaço interior, ainda comete esse erro, algumas vezes. Gilberto também o fazia, mas foi melhorando. Apostaria numa fase inicial em Ristić, não vai ao ataque tantas vezes, está mais bem posicionado na altura da perda da posse de bola. Vejo este Benfica muito vertical, porque joga com o Rafa, Di María e com Aursnes e Kökçü no meio, é preciso um toca a reunir. Acho que Jurasek está mais preparado do que Bah estava na época passada quando foi contratado, mas via com bons olhos o Ristić começar a ‘partir pedra’ e o Jurásek, se o sérvio não ganhar a posição definitivamente, a ir entrando aos poucos na equipa. Acho que o Benfica contratou bem e, se não resultar, é porque o Ristic confirma aquilo que eram as minhas expectativas, creio que ele poderia ter jogado mais na época passada”, justifica Pedro Henriques, em declarações à GoalPoint.

A apreciaçãoGoalPointPro-trim2

Substituir Grimaldo seria sempre uma tarefa hercúlea para qualquer que fosse a escolha. A influência e qualidade que o lateral espanhol ofereceu à equipa do Benfica ao longo de sete temporadas foram gigantes e a equipa habituou-se ao longo dos anos a “inclinar” para aquele flanco na procura de uma segurança na construção e qualidade na definição em zonas ofensivas raras de encontrar num lateral.

Ora, David Jurásek não poderia ser mais distinto de Grimaldo nesses aspetos. Se os números mais básicos de golos e assistências parecem “gordos”, é importante referir que Jurásek vem de um Slavia super dominante no contexto checo, que na época passada marcava 2,7 golos por jogo e onde Jurásek foi muitas vezes lateral numa linha de cinco defesas. Olhando a influência ofensiva numa perspetiva mais ponderada, vemos que o reforço “encarnado” tinha participação directa em 10% dos golos da equipa, contra os 20% de Grimaldo com Schmidt.

Sem dúvida que o novo camisola 13 benfiquista é um lateral com grande dinâmica ofensiva, que ataca com frequência a linha de fundo e tem volume e eficácia nas situações de cruzamento (uns absurdos seis por jogo, com alta eficácia a rondar os 25%), mas, logo aí, há outra grande diferença para Grimaldo. Com Schmidt, 29% dos cruzamentos do espanhol eram rasteiros, enquanto Jurásek só cruza pelo solo em 8% das suas tentativas. Talvez não seja por acaso que o Benfica substituiu Gonçalo Ramos por Arthur Cabral, um jogador muito talhado para atacar a baliza adversária no espaço aéreo, mas a equipa terá maiores dificuldades para combinar com qualidade pelo flanco esquerdo. A eficácia de passe de Jurásek no último terço fica abaixo dos 58%, enquanto Grimaldo conseguia uns incríveis 78%.

A forma como cada um chega e tenta transportar a equipa para zonas ofensivas também é bem diferente. Jurásek é bem mais rápido e acelerador que o espanhol, registando 2,0 conduções progressivas a cada jogo, 30% das mesmas em velocidade, enquanto Grimaldo ficava pelas 1,3 conduções progressivas, sendo apenas 15% das mesmas em velocidade. Mas quantidade não é qualidade e Grimaldo perdia a posse após apenas 25% das suas conduções, enquanto Jurásek perde a posse após 51% das suas conduções, um número altíssimo e que se deve em grande à parte à sua baixíssima eficácia no drible, que fica pelos 28%, abaixo de qualquer lateral-esquerdo da Liga Portuguesa em 22/23.

Outro factor já referido é a segurança e tipo de construção de cada um. Grimaldo com Schmidt registava 12,2 passes por jogo no terço defensivo, com eficácia de 93%, enquanto o volume de passes de Jurásek para essa zona se fica pela metade no contexto checo, e com eficácia mais baixa (89%). No ADN de Jurásek está muito mais o passe longo do que em Grimaldo. De facto, 17% dos passes do checo eram longos contra apenas 5% de Grimaldo e, sendo certo que é natural que a percentagem se venha a esbater, falamos de uma adaptação muito grande em relação ao que Jurásek estava habituado, e que pode prejudicar a equipa na primeira fase de construção, pois o checo tem algumas dificuldades em espaços reduzidos, falhando 27% dos passes curtos que faz com os pés, contra os 15% de Grimaldo.

A nível defensivo, e apesar do porte físico, Jurásek é um jogador algo cauteloso, que evita os duelos e tende a ser contido até na antecipação. As 2,4 tentativas de desarme por jogo são um número baixo para lateral, que garantem poucas falhas (apenas 0,3 dribles consentidos / 90m), mas também revelam um jogador pouco confiante nas situações de 1×1. Até pelo ar, apesar da alta estatura, Jurásek regista muito poucas disputas por jogo (0,6), metade do que fazia Grimaldo.

À primeira vista, não nos parece que Jurásek tenha condições para ter a afirmação rápida vista em Bah, que veio do mesmo campeonato e clube, mas tinha indicadores globalmente bastante mais positivos.

Confere as análises aos outros reforços neste link.


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Leonel Gomes
Leonel Gomes
Amante das letras, já escreveu nos jornais A Bola, Público e o O Jogo, dedicando-se também ao Social Media Management desde 2014. Tornou-se GoalPointer na "janela de mercado" do verão de 2019.