O hino da Liga dos Campeões vai voltar a ecoar no Estádio da Luz. É já esta quarta-feira a partir das 20h00 que o Benfica defronta o Ajax, num embate a contar para a primeira mão dos oitavos-de-final da prova milionária. Um duro teste para as “águias”, que têm tido duas caras e oscilações de rendimento ao longo de toda a época.
Do outro lado da barricada, a equipa dos Países Baixos é o oposto dos “encarnados”, segue de vento na liderança da Eredivisie, com mais cinco pontos do que o rival PSV Eindhoven, é o segundo conjunto mais goleador entre os 16 presentes na fase de grupos da prova milionária, com 3,27 golos marcados, apenas atrás do Bayern Munique, que tem uma média 3,39 concretizados por partida. Em 33 encontros oficiais, de todas as provas em que marcaram presença, já carimbaram 108 tiros certeiros, tendo sofrido apenas 14 golos, uma fiabilidade a toda a prova que se traduz em 27 triunfos, três empates e outros tantos desaires. Nas últimas dez partidas, o “rolo compressor” de Amesterdão tem dez vitórias, 39 golos assinados e apenas um sofrido. Um caso sério que tentamos desvendar com a ajuda avalisada do comentador Luís Cristóvão.
“Darwin a aparecer nas faixas e a ser capaz de pressionar a fragilidade do guarda-redes. diria que são esses os dois pontos através dos quais o Benfica poderá provocar erros ao Ajax”
LUÍS CRISTÓVÃO, analista e comentador
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O que esperar do Benfica ante os “lanceiros”?
“Frente à equipa do Ajax, ficar muito na expectativa ou oferecer-lhe essa possibilidade acaba por fortalecer aquilo que é a ideia de jogo dos neerlandeses, mais ainda jogando primeiro em casa. A equipa arrisca-se a acabar por sofrer um golo ou dois e ver a eliminatória ficar um pouco pelo caminho”, analisa Luís Cristóvão. Para o comentador, os “encarnados” terão de olhar nos olhos a máquina criada por Erik ten Hag, defendendo a aposta num trio na zona do centro do terreno.
“Diria que a melhor atitude a ter neste encontro será mesmo a de tentar confrontar o Ajax. O Benfica tem jogado agora quase sempre com três médios, ou com dois médios e um segundo avançado, que acaba por ocupar esse espaço do triângulo na zona central, e isso é um pouco o espelho daquilo que o Ajax costuma fazer. Diria que, em termos de encaixe, neste momento, as duas equipas até terão que ver uma com a outra e passará muito pela opção do Nélson Veríssimo sobre os jogadores que vai ter no meio-campo e aquilo que eles conseguirem fazer para, de alguma maneira, tentar explorar a zona do meio-campo e depois também conseguindo atacar”, explicou.
[ Conduções aproximativas/dribles/faltas sofridas (esquerda), passes super aproximativos (centro) e acções defensivas (direita) do Benfica na Liga Bwin 21/22, desde que é orientado por Nélson Veríssimo ]
“João Mário e Paulo Bernardo não foram titulares no Bessa. Acho que vão jogar os dois com o Weigl. Creio que é o meio-campo que, de alguma maneira, pode dar ao Benfica o mínimo de conforto defensivo, sem ser excessivo, pois a equipa não tem um médio que seja defensivamente muito mais forte que justifique a sua entrada no jogo – Meïté não tem assim tanta presença defensiva que justifique a retirada de João Mário ou Paulo Bernardo. Sobretudo, médios que consigam ter bola e aí será muito importante para o Benfica disputar o jogo com o Ajax, não permitir que o adversário tenha um excesso de posse de bola no seu meio-campo”, detalha.
Caso seja esta a aposta inicial do substituto de Jorge Jesus, Gonçalo Ramos deverá ser suplente, ele que tem feito este “papel híbrido de ‘9,5’, defensivamente juntando-se aos dois médios e a atacar é um segundo avançado. Falta vivacidade à equipa, é pouco convincente, mas em termos tácticos começa-se a ler que há aqui um esforço para criar uma certa rotina na maneira como a equipa joga neste movimento. Para o jogo contra o Ajax, e colocando-me na pele de Veríssimo, não arriscaria tanto a ter mais um homem na frente. João Mário não tem estado assim tão bem, mas é um jogador a ter em campo numa partida como a de quarta-feira”, realça Cristóvão.
Este será o oitavo confronto entre “águias” e “lanceiros”, que levam vantagem, somando quatro vitórias, dois empates e uma derrota. A última vez em que os lusos e os neerlandeses se encontraram, na temporada 2018/19, o Benfica perdeu aos 90’+2′ em Amesterdão, graças a um golo de Mazraoui, e registou-se um empate a um golo na Luz, com Tadic a responder a um “tiro” de Jonas.
[ Os ratings dos dois anteriores embates entre Benfica e Ajax ]
E como joga este Ajax?
Várias são as armas que os comandados de Nélson Veríssimo terão para travar e desmontar um 1x4x3x3 dinâmico, que rapidamente se transforma num 1x4x2x3x1, com a qualidade da dupla Timber e Lisandro Martínez no início da fase de construção, passando pelo jogo interior de Mazraoui – qual Cancelo de Amesterdão –, à inteligência e versatilidade de Blind, ao papel do corredor central com os “todo-o-terreno” Edson Álvarez, Davy Klaassen ou Ryan Gravenberch, Steven Berghuis e chegando ao ataque onde Tadic, Antony e Haller são sinónimo de irreverência, golos e fortes dores de cabeça para os adversários – que o diga o Sporting. Uma equipa versátil e com direitos de autor.
“Este Ajax fez uma fase de grupos assinalável, mas diria que a equipa tem de enfrentar um adversário que possa estar mais à sua altura. O Benfica não tem dado mostras de que possa ser essa equipa, mas tem jogadores para o poder fazer, por isso, confesso, tenho alguma expectativa para poder perceber como vai atacar esse jogo“, acrescentou Luis Cristóvão, que olha com desconfiança para quem defende o templo dos de Amesterdão.
“Continuo a achar que o Ajax tem uma lacuna gigantesca na baliza. Remko Pasveer está muito longe de ser um grande guarda-redes, nem percebo com no mercado de Inverno que não tenha havido uma intervenção clara nesta posição. Pasveer é um problema a defender entre os postes, onde não é muito forte, tal como no jogo com os pés. O Benfica tem de tentar atacar ao máximo essa situação, de alguma maneira poderá ser facilitada com o Darwin a jogar como ponta-de-lança, haver essa pressão sempre que a bola passar ao guarda-redes, que a equipa consiga criar momentos de maior pressão. Dentro da observação do adversário, havendo essa fragilidade, há que tentar atacá-la”, observa.
“A linha defensiva do Ajax, como tem velocidade, mesmo que em alguns momentos possa estar algo desguarnecida, acaba por compensar bastante um ou outro problema. Blind será o jogador menos rápido, mas posicionalmente é um dos mais fortes e não sei se o Rafa, a jogar pela direita, conseguirá criar tantos problemas. Se fosse ao contrário, se a fragilidade estivesse no lado direito, com Everton e Darwin também a aparecerem algumas vezes, o Benfica poderia criar esse tipo de problemas. Darwin a surgir nas faixas e a ser capaz de pressionar essa fragilidade do guarda-redes. Diria que são esses os dois pontos através dos quais o Benfica poderá provocar erros ao Ajax”.
Na opinião do analista, os lanceiros vão tentar repetir o que fizeram na fase de grupos frente ao Sporting. “Uma das principais características deste Ajax de Ten Hag é preparar-se bem para enfrentar os seus rivais, conhece muito bem as equipas contra as quais vai jogar. No caso do Ajax, isso foi muito evidente contra o Sporting e, igualmente, diante do Borussia Dortmund. Foi uma equipa que soube atacar muito bem os pontos fracos do adversário.”
[ Os passes verticais (esq.) e as conduções aproximativas/dribles/faltas sofridas (dta.) do Ajax em Alvalade ante o Sporting ]
A “montanha-russa” que têm sido as exibições dos benfiquistas também estão sob a mira do Ajax, que conta com o conhecido Mitchell van der Gaag no papel de treinador-adjunto. “Aquilo que o Ajax poderá explorar é a falta de confiança que o Benfica vai revelando. Quase todas as equipas que têm jogado contra o Benfica desde a entrada do Nélson Veríssimo têm explorado isso, é uma equipa pouco segura, mesmo quando marca primeiro duvida muito de si e, em momentos em que é pressionada, comete erros e tem uma forte probabilidade de cometer mais erros a seguir.”
“Diria que teremos um Ajax a tentar fazer o que fez em Alvalade, explorar forte a ala que eles considerarem mais frágil. Penso que o Ajax vai tentar entrar forte, a explorar uma das alas e a tentar marcar cedo, porque tem a perfeita noção de que, marcando cedo, vai criar esse nervosismo e intranquilidade no Benfica e vai poder construir a vantagem a partir daí”, detalha o analista, observações que se confirma pelos mapas abaixo.
[ Conduções aproximativas/dribles/faltas sofridas (esquerda); passes super aproximativos (direita) do Ajax na UCL 21/22 – ambos os mapas mostram a apetência do Ajax em atacar pelas alas ]
Individualidades com poder para decidir
Cuidado com eles! Luís Cristóvão arrisca e menciona alguns dos artistas que poderão pintar o quadro no palco lisboeta.
“O Benfica com Everton, Rafa e Darwin tem jogadores com altíssima capacidade para enfrentar duelos, colocar velocidade na frente e criar alguns dos problemas que o Ajax tem colocado às equipas contra quem joga. Everton tem estado mais solto e, nas noites de maior inspiração, é um jogador que consegue desequilibrar mais. Darwin é um bocadinho inconstante, embora continue a acreditar muito nele em termos do potencial que apresenta. Já o vimos nesta edição da Champions a ter uma noite fantástica diante do Barcelona. Weigl é um jogador que tem muita qualidade, mas em alguns momentos acaba por ser um foco de fragilidade na equipa pela forma como as características dele se inserem ou não no colectivo. Aumentou muito a agressividade em jogo desde que chegou a Portugal, é um jogador diferente e Jorge Jesus mexeu um pouco com aquilo que é o Weigl enquanto jogador, pode acabar por ser ele a peça que fará a diferença, forte na recuperação de bola e fundamental na saída”, perspectiva.
[ Weigl, Rafa e Darwin na UCL 21/22 ]
Nos líderes da Liga dos Países Baixos, Antony é o jogador que mais enche as medidas. “Em campo, é sempre um elemento muito difícil de travar nas noites em que está inspirado, e pode facilmente transformar-se na figura da equipa. O Haller tem estado muito bem em termos de finalização e Mazraoui é um jogador muito forte, que procura muitas vezes as zonas interiores e subindo no terreno, tendo espaço e liberdade, pode criar problemas.”
[ Mazraoui, Haller e Antony na UCL 21/22 ]