Como joga o Brighton do professor Roberto De Zerbi?

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Actual oitavo colocado da Premier League, o Brighton & Hove Albion é uma das equipas mais entusiasmantes da actualidade. O projecto tem sido alicerçado de forma sustentada no decurso dos últimos anos, numa primeira instância com Graham Potter a ser um dos principais artífices dos “seagulls”, mas desde 18 de Setembro de 2022 que o obreiro é Roberto De Zerbi.

O italiano é uma mente brilhante, defensor de um futebol atractivo, de pendor ofensivo, pressionante e com uma marca de água que já tinha rendido diversos elogios nos desafios anteriores que abraçou no Palermo, Benevento, Sassuolo e Shakhtar Donetsk. Na época transcorrida o Brighton encheu os olhos dos amantes do futebol espectáculo, conjugando essa nota artística com bons resultados, e o emblema alcançou o sexto lugar na liga inglesa, assegurando pela primeira vez presença nas provas europeias – e atingiu ainda as meias-finais da Taça de Inglaterra.

As bases do modelo do Brighton

O modelo de jogo idealizado pelo jovem professor Roberto começa a esboçar-se desde a defesa, na primeira fase de construção. Os centrais e a dupla de médios formam uma espécie de quadrado que tenta organizar-se de forma homogénea, os dois laterais ganham amplitude e os restantes elementos do “onze” promovem constantes desmarcações em velocidade, criando dinâmicas complicadas de travar e inúmeras linhas de passe. Mas afinal, o que torna a forma de pensar do timoneiro transalpino ímpar?

“O modelo de jogo é sedutor e diferente pela forma como muitas vezes consegue, utilizando o guarda-redes e depois um quadrado normal no início de construção, com os dois centrais e os dois médios centrais muito próximos, chamar a pressão adversária, depois furar por dentro, ganhando as costas e em zonas de criação, procurando os extremos”, começa por explicar à GoalPoint, Tomás da Cunha, que realça as constantes mutações que o técnico vai implementado no conjunto inglês.

“Mas não se pense que o Brighton é uma equipa com tendência para jogar sempre com os homens próximos, muitas vezes com o guarda-redes também vemos a equipa a jogar de uma forma mais longa. A ideia é encontrar o homem livre, o espaço por onde entrar na estrutura do adversário e este posicionamento em construção tem como objectivo partir o opositor e depois identificar zonas que possam dar vantagens, por isso, vemos muitas vezes um 1x4x2x4 nesta equipa de De Zerbi, que recentemente tem jogado com três centrais, mas com objectivos muito semelhantes, e para tentar corrigir alguns problemas defensivos que os ‘seagulls’ também tinham vindo a demonstrar”, refere o analista.

Números que mostram um forte ADN

[ Conduções progressivas (tracejados), dribles certos (estrelas) e faltas sofridas) do Brighton em 2023/24 ]

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  • O Brighton é a segunda equipa da Premier League, logo a seguir ao campeão City (805,4), com mais acções com bola por jogo (794,6)
  • A equipa de De Zerbi é também a segunda, novamente atrás do City (90,3%), com melhor eficácia de passe (88,7%)
  • Não há duas sem três: novamente atrás do City, o Brighton é a equipa com mais conduções progressivas (15,4) – que aproximam a equipa da baliza adversária em pelos menos 25% do campo restante e num mínimo de 15 metros
  • A formação do Sul de Inglaterra lidera no número de passes curtos que faz por partida (200,2)
  • Contudo, é também a terceira que mais passes progressivos (que permitem aproximação à baliza de pelo menos 25% e no mínimo de oito metros) realiza (38,8)

Até ao momento, o Brighton realizou 18 jogos oficias, 13 no campeonato, quatro na fase de grupos da Liga Europa e um na taça da Liga inglesa, contabilizando oito triunfos, cinco derrotas, outros tantos empates, marcou 36 golos e sofreu 29. Como tudo na vida, a equipa tem algumas lacunas que têm sido exploradas nas últimas semanas, mormente no momento pós perda da posse.

“As principais lacunas são a transição defensiva, a forma como a equipa com algum radicalismo leva muitas vezes a construção curta ao limite e depois comete erros que acabam por ser aproveitados pelo adversário. Mas entre o deve e o haver, claramente De Zerbi sai a ganhar com esta opção”, acrescenta o comentador da Eleven Sports, TSF e colunista da Tribuna Expresso.

As palavras de Pep Guardiola foram ditas em Maio deste ano, no último suspiro de 2022/23. “Não há nenhuma equipa que jogue da forma como eles jogam, são únicos. Logo que eles chegaram tive a sensação de que iam ter um grande impacto na Premier League. Percebi que iam surpreender, mas não adivinhava que iam fazer o que fizeram num período tão curto. Eles criam uma média de 20/25 oportunidades de golo por jogo, são muito melhor do que todos os adversários, monopolizam a bola de uma forma que eu já não via há muito, muito tempo. Toda a gente se envolve no jogo, o guarda-redes deles joga como médio de contenção e, se não estiveres ao teu melhor nível, eles fazem o que querem contigo. É uma equipa com a qual tenho aprendido muito”, destacou, na altura, o “coach” do Manchester City.

Quem são as principais estrelas dos “Seagulls”?

Nas últimas temporadas, o clube tem-se destacado pela forma como adquire talentos com potencial, consegue moldá-los e depois encaixa milhões de libras com as vendas dos passes desses elementos. E exemplos de sucesso não faltam: Leandro Trossard saiu para o Arsenal por €24 M, Yves Bissouma partiu para o Tottenham por quase €30M (€29,2M), Alexis Mac Allister foi resgatado pelo Liverpool (€42M), Ben White está no Arsenal desde 2021/22 por €58,5M, Marc Cucurella foi para o Chelsea por €65,3€ e Moisés Caicedo também foi para Stamford Bridge por excepcionais €116M. Em sentido contrário, Kaoru Mitoma chegou do Kawasaki Frontale por apenas €3M, Cucurella foi “pescado” ao Getafe por €18M, Caicedo chegou quando tinha 19 anos proveniente do Independiente del Valle por €28,2M, Simon Adingra brilhava no Nordsjælland e custou apenas €8M, Enciso veio do Libertad por €11,6M, Pervis Estupiñán (€17,8M vindo do Villarreal), Carlos Baleba (ex-Lille por €27M) e João Pedro foi a compra mais avultada e custou €34,2M. No actual plantel, quais são os nomes a ter em conta?

“Há alguns que se destacam, desde logo Billy Gilmour. Penso que há um Brighton com ele e outro sem ele, o escocês é um jogador de toque, muito inteligente na forma como orienta o corpo para receber e depois distribui passes na zona central, é cada vez mais perigoso nas zonas de criação, é claramente um jogador que tem vindo a crescer nesta temporada e que poderá vir a dar um salto futuramente para se tornar um médio de referência na Premier League”, destaca Tomás da Cunha. Gilmour pertencia à formação do Chelsea, um dos destaques do centro de treinos de Cobham, mas nunca teve uma real oportunidade nos “blues”.

Como já referimos, o departamento de scouting do Brighton é um dos alicerces para os bons resultados que o conjunto tem obtido ultimamente e Mitoma é apenas mais um exemplo.

“Mitoma, que é um dos principais dribladores do futebol internacional nesta altura, jogando aberto na esquerda, consegue utilizar o corpo do adversário para depois escolher a melhor finta, sai para os dois lados muito facilmente, é muito rápido na mudança de velocidade, tem um controlo de bola que lhe permite alterar a direcção sendo, ao mesmo tempo, muito ágil, cada vez mais consegue ser um finalizador a partir da esquerda, muitas vezes até de cabeça. Até se pensou que poderia dar o salto, mas acabou por não acontecer”, refere o analista, aludindo ao interesse do City no nipónico no mercado de Verão para substituir Mahrez, mas os campeões europeus acabaram por optar por assegurar os préstimos de Doku.

Na linha de ataque, há um talento a emergir, para muitos uma espécie de Haaland com sangue irlandês.

“Na frente há vários jogadores que podem ser destacados, mas vou escolher Ferguson, o jovem irlandês. Haveria outros que poderia mencionar, Ansu Fati, João Pedro, mas vou escolher o ponta-de-lança porque está ali um projecto para ser um dos principais goleadores do futebol internacional nos próximos anos. É um bombardeiro, um jogador de área muito forte, que a equipa não tinha anteriormente, quer pelo lado mais corpulento, quer pelo sentido de desmarcação e pelas qualidades na finalização. Consegue impor-se facilmente na grande área, mas também tem vindo a tornar-se num jogador cada vez mais sensível para jogar em apoio e De Zerbi já destacou essa necessidade e vontade de desenvolvê-lo nesse aspecto”.

Aos 44 anos, Roberto De Zerbi já é uma certeza no panorama do futebol mundial e não será de estranhar vê-lo a galgar mais uns patamares nos próximos tempos. Nas últimas semanas, alguma Imprensa aventou a possibilidade de substituir o compatriota Carlo Ancelotti nos comandos do Real Madrid em 2024/25. Poderá ele sonhar com outros palcos a breve trecho?

“Penso que sim, mas é um treinador muito específico, que tem de ser contextualizado, ou seja, tem esta ideia, vai morrer com ela, isso é um ponto forte, mas tem de ser devidamente enquadrado. Diria que há dois clubes para onde o nome dele surge de forma muito natural, o Manchester City, eventualmente para suceder a Guardiola, e também o Barcelona que pratica este jogo posicional, de toque, poderia ser interessante para os jogadores formados em La Masia, com aquele perfil, por exemplo os médios, que tão bem conhecemos. Agora, se o vais colocar num Bayern Munique ou Real Madrid, esperando que ele se transforme noutro treinador, então há aí um lado muito perigoso, mas De Zerbi vai acabar por chegar ou ao City ou ao Barcelona, quem sabe treinando até os dois em períodos distintos, porque é isso que lhe está destinado”, aponta Tomás da Cunha.

“De Zerbi é um dos treinadores mais influentes nos últimos vinte anos”
(Pep Guardiola)

Natural de Brescia, De Zerbi tem em Pep Guardiola – enquanto futebolista actuou no Brescia – um fã incondicional.

“Prestem bem atenção ao que vou dizer porque estou convencido que o Roberto é um dos treinadores mais influentes nos últimos vinte anos. O Brighton merece todos os elogios e o sucesso que tem tido. É uma equipa com a qual tenho aprendido muito. Eles são únicos, são como uma estrela Michelin num restaurante de topo. Na Catalunha tínhamos o restaurante El Bulli onde Ferran Adrià, que foi o melhor cozinheiro do mundo durante muitos anos, mudou por completo a cozinha. A forma como o Brighton joga também é assim, é única, é especial. A forma como jogam, como se movimentam”.

As palavras do catalão foram proferidas no final da época anterior. Na opinião de Tomás da Cunha, De Zerbi “surge na linha de pensamento de Pep Guardiola, treinador que valoriza a posse de bola, o controlo sobre o adversário, mas também é uma resposta ao futebol de pressão alta que se desenvolveu nos últimos dez a 12 anos, depois do ‘tiki-taka’, em que a pressão alta para anular estas equipas de toque e de progressão desde trás passou a ser cada vez mais uma tendência no futebol. Por isso, diria que De Zerbi está entre os treinadores que se destacam pelas armas que dão às respectivas equipas na construção é um dos melhores, para não dizer o melhor. Aliás, Guardiola recentemente disse que o Brighton era uma das melhores equipas a construir e que nos últimos 20 anos e De Zerbi estava num patamar muito restrito. Temos elogios, de facto, extraordinários”.

“De Zerbi vai ser o melhor treinador dos próximos 20 a 30 anos”
(Kevin-Prince Boateng)

Foram apenas seis meses no Sassuolo, mas Kevin-Prince Boateng não se esquece do período em que trabalhou com o italiano. “Penso que ele vai ser o melhor treinador dos próximos 20 a 30 anos. Ele conseguiu melhorar todos os jogadores com quem trabalhou, do guarda-redes suplentes ao avançado. Trabalhei com ele quando tinha 32 anos e senti-me mais forte do que nunca. Ele preocupa-se realmente com o aspecto humano da gestão e isso é fundamental. Se é melhor que Guardiola? Digo que sim”, disse, há poucas semanas, o antigo avançado, à TV Play.

Na montanha de grandes emoções que é a Premier League, será que este Brighton, sustentando nas premissas defendidas pela sua equipa técnica, irá protagonizar mais uma temporada de sucesso e suplantar a feroz concorrência que vai enfrentar?

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Leonel Gomes
Leonel Gomeshttps://goalpoint.pt/
Amante das letras, já escreveu nos jornais A Bola, Público e o O Jogo, dedicando-se também ao Social Media Management desde 2014. Tornou-se GoalPointer na "janela de mercado" do verão de 2019.