A chegada de João Mário e Souahilo Meité no início da época foi, na altura, motivo para muitos comentadores sublinharem que o Benfica colmatava finalmente algumas das lacunas do plantel há muito identificadas. Os dois reforços juntavam-se a Julian Weigl e Adel Taarabt, relegando até Florentino Luís para mais um “empréstimo de crescimento”. A poucas semanas do final da época, João Mário foi relegado para segundo plano, Meité gera debate e há até comentadores que dizem que, afinal, o Benfica não reforçou o sector como era esperado. Em que ficamos? O melhor é olhar o desempenho.
Mais do que opiniões mais ou menos fundamentadas, quem nos acompanha espera factos, números e desempenho. E é por aí que propomos atacar o tema, conferindo o desempenho dos diversos protagonistas “encarnados”, nomeadamente João Mário, Adel Taarabt, Julian Weigl e Souahilo Meité. Mas porque compará-los entre si poderá dizer pouco, decidimos trazer algumas referências rivais ao comparativo, qual “benchmarkt” que nos permita equiparar e tipificar melhor cada uma das peças do “puzzle encarnado”.
Apesar de o tema ter voltado ao debate logo após a derrota caseira das “águias” frente ao Liverpool, deixamos de parte o desempenho na Champions e olhamos apenas a produção na Liga Bwin, que permite um comparativo mais objectivo com os rivais, num contexto competitivo mais próximo. Começamos então pelos médios-centro, João Mário e Taarabt, para depois olhar os médios-defensivos, Weigl e Meité.
João Mário e Taarabt, o mistério e o debate
João Mário, um ocaso misterioso
Já poucos se recordam, mas João Mário protagonizou um arranque de temporada promissor e acima, aliás, do desempenho médio que apresentou na época anterior ao serviço do Sporting campeão. Com o aproximar do final do ano civil de 2021 veio a quebra e a posterior perda de protagonismo, com a saída de Jorge Jesus, o principal promotor da sua chegada. A grande contratação de Verão do Benfica já não é titular para a Liga desde 21 de Janeiro de 2022, mas, ainda assim, continua a apresentar um desempenho médio superior ao que ofereceu ao serviço dos “leões”.
Mesmo em quebra, João Mário permanece como o quinto jogador do plantel com mais Assistências Esperadas (xA) criadas (3,4), atrás de Rafa, Grimaldo, Everton e Darwin, e teve influência em 11,4% dos golos marcados pelo Benfica durante os minutos em que esteve em campo. A sua intensidade, ofensiva e defensiva, pode não convencer todos, mas a qualidade de passe e a segurança em posse (batida apenas por Vitinha, no comparativo) sublinham ainda mais a dúvida: porque motivo deixou João Mário de produzir/ser opção na segunda metade da época? Serão os motivos físicos, psicológicos ou técnicos? Apenas Nélson Verísismo poderá esclarecer.
Taarabt, o debatido
Uns adoram, outros detestam. Alguns sublinham-lhe as qualidades lamentando a consequência por vezes desastrosas das suas falhas. O marroquino tem apenas 586 minutos jogados na Liga, mas o seu ressurgimento nas opções “encarnadas” coincidiu com o ocaso de João Mário. A sua maior propensão ofensiva sobressai nos números. Adel arrisca mais no passe e colhe também por isso uma preponderância ainda mais clara nos golos obtidos pelo SLB enquanto ele está em campo (16,7%), mas isso também traz um reverso de medalha: Taarabt também se destaca pela quantidade de posses perdidas que acumula, expondo por vezes a equipa a desequilíbrios fatais.
Não deixa de ser curiosa a semelhança do seu registo qualitativo com… Matheus Nunes, do Sporting. Será que Rúben Amorim gostaria de contar com Adel, da mesma forma que Jorge Jesus cobiçou João Mário? E porque razão parecem as “falhas” de Matheus Nunes menos consequentes que as do marroquino? Talvez a resposta a esta última questão resida não nos jogadores, mas naquilo que os rodeia, colectivamente.
Weigl e Meité, a ingrata herança de Fejsa
Julian Weigl, um caso complexo
“Weigl não é um ‘6’, é um ‘8’”. Esta é uma opinião muito frequente no debate “encarnado” sobre o meio-campo do Benfica. As qualidades (e fraquezas) do alemão dão algum sentido à teoria, embora não completamente. Weigl demonstra uma frequência e qualidade de passe invejável, sobretudo quando comparado com outras referências de posição, destacando-se também pelo rácio de passes aproximativos que acumula, superior a qualquer outro médio-defensivo comparado.
Mas o caso de Weigl também revela alguns problemas. Para “8” falta-lhe maior propensão ofensiva (Uribe, apesar do posicionamento e companhias, bate-o na frequência de remates e passes para finalização, por exemplo). E para “6” o caso é ainda mais preocupante, com o germânico a mostrar-se muito menos generoso na acumulação do número de acções defensivas expectável num “trinco” candidato ao título (João Palhinha soma mais do dobro da média de acções defensivas do germânico, no terço intermédio do campo). O último médio-defensivo benfiquista capaz de competir nestes índices defensivos chamava-se Ljubomir Fejsa, o que diz muito acerca de uma lacuna que o Benfica (inexplicavelmente) tem a suprir há muito tempo.
Souahilo Meité, incógnito
O francês chegou com cartão de visita de médio-centro, mas os números que vai colocando em campo são mais próximos do papel de um médio-defensivo. A frequência com que procura executar o passe aproximativo até é digna de registo, mas a verdade é que não soma qualquer acção para golo nos cerca de 700 minutos que já soma na Liga e a frequência com que realiza passes para finalização não suplanta Weigl. A seu favor o facto de ser o médio com maior propensão para conduzir bola de forma aproximativa à área contrária, entre os quatro comparados – como, aliás, já havíamos antecipado no início da época, quando analisámos as características do reforço (link).
No plano defensivo, e apesar da sua morfologia, mostra uma média claramente deficitária na hora de acumular acções defensivas. É não só o médio que menos tenta o desarme (3,5 a cada 90 minutos, Palhinha chega aos 7,2) como também apresenta uma eficácia muito baixa nessa opção (37%).
Na busca de um indicador que resuma os desafios que se colocam ao meio-campo “encarnado”, quando comparado com os rivais, encontramos um bastante revelador. O Benfica soma em média cerca de 13 acções defensivas no meio-campo adversário, por jogo. O registo fica abaixo das 14 totalizadas pelo Sporting e sobretudo das quase 17 acumuladas pelo líder Porto. Parece um pormenor, mas após o balanço do desempenho individual dos protagonistas, a capacidade para anular o adversário e recuperar posse, ainda em terrenos avançados, parece ser aquilo em que o meio-campo “encarnado” mais se distancia (negativamente) dos rivais, independentemente dos médios-centro e médios-defensivos que coloquemos em equação. Resta saber se será desta (no próximo defeso) que o Benfica identificará esta como sendo uma oportunidade de melhoria decisiva, num clube que caminha para o terceiro ano sem erguer o principal troféu da sua agenda.
Definições de conceitos metodológicos utilizados nesta análise
xG – Expected Goals ou Golos Esperados – O número de golos esperado, para um jogador ou equipa, tendo em conta as probabilidades de conversão de golo no momento de remate, independentemente da sua execução. Mais informação.
xA – Expected Assists ou Assistências Esperadas – Conceito idêntico aos Expected Goals mas incidindo sobre os passes que originam as situações de remate associadas a diferentes probabilidades de concretização. Traduz no fundo o número de assistências que o jogador ou equipa devia ter, à luz das probabilidades de conversão dos remates criados.
% Contribuição Ofensiva (G + A) – A percentagem de participação directa (golo ou assistência) de um jogador nos golos obtidos pela equipa durante os minutos em que está em campo.
Passe aproximativo – passe que permite à equipa encurtar em pelo menos 25% a distância inicial (a contar do local de execução) que a separava da baliza adversária. Mais informação.
Condução aproximativa – condução com bola que permite à equipa encurtar em pelo menos 25% a distância inicial (a contar do local de início da condução) que a separava da baliza adversária. Mais informação.
Acções defensivas – somatório de todas as acções defensivas primárias, nomeadamente desarmes, intercepções, alívios e bloqueios.