O Benfica está a defender mal, diz a vox populi, e isso colocou a liderança da Liga definitivamente em risco. E existem boas razões para essa conclusão, tão óbvias que não carecem de análise GoalPoint para a fundamentar, começando nos sete golos sofridos nas últimas seis jornadas (mais dois do que no total das 15 rondas anteriores) e terminando nas duas últimas derrotas consecutivas, frente a Porto e Braga.
Não faria muito sentido pegarmos neste tema se não apostássemos em aprofundá-lo, procurando perceber, com recurso aos dados, se a referida permeabilidade defensiva “encarnada” se limita a encontros de maior grau de dificuldade disputados recentemente ou se já se vinha manifestando ao longo do tempo, mesmo que nem sempre reflectida no marcador final. E uma vez esclarecida essa dúvida, seria hora de identificar algum padrão – ou nome(s) – relacionáveis com o cenário analisado. Pegámos na lupa e na calculadora, e aqui estão os resultados.
O Benfica é mais permeável do que gostaria desde o início da Liga
O Benfica sofreu apenas três golos no decurso das primeiras dez jornadas da Liga, concentrados em dois jogos. Dois desses tentos surgiram no naturalmente especial frente-a-frente perante o Porto, a única derrota “encarnada” no primeiro terço da competição. Fora isso sobraram oito “clean sheets” que, certamente, criaram a ilusão de que o campeão nacional apresentava uma solidez defensiva invejável. Conclusão precipitada…
Cruzando os golos sofridos pelos “encarnados” com os golos que estatisticamente deveriam ter sofrido (Expected Goals contra), percebemos que o Benfica apenas sofreu mais golos do que seria de esperar à sexta jornada, na vitória por 2-1 frente ao Moreirense.
Os números exactos são tão específicos quão curiosos: nas dez primeiras jornadas o Benfica sofreu apenas os tais três golos, mas, em boa verdade, permitiu aos adversários oportunidades que, estatisticamente, corresponderiam a cerca de oito tentos, que apenas não sucederam por mérito do seu guardião Vlachodimos (curiosamente talvez o nome mais “ameaçado” durante o mercado de verão) e/ou falta de eficácia dos protagonistas adversários.
Já no que toca às 11 jornadas recentes o cenário é mais equilibrado, embora igualmente preocupante, confirmando os problemas defensivos do campeão. O Benfica sofreu nove golos nos últimos 11 encontros, permitindo cerca de 12 Expected Goals.
O Benfica é a equipa mais driblada da Liga
Este é, provavelmente, o facto mais surpreendente e anormal para uma equipa que, não só lidera a Liga, como ainda se apresenta como a menos batida. O Benfica permite uma média de 11,3 dribles por encontro aos adversários, um registo que nenhuma outra equipa supera, pela negativa. E sendo certo que, reduzindo a análise a dribles consentidos no terço defensivo, o cenário se atenua, a verdade é que os “encarnados” apresentam, ainda assim, o quinto pior registo da Liga, com 4,4 dribles permitidos nas imediações da sua área, uma média não muito distante dos 5,0 com que o Famalicão encabeça este ranking evitável.
Curiosamente, e ao contrário de outros pormenores que partilhamos nesta análise, este é um factor negativo que não sofre grande evolução ao longo da época, ou seja, os maus indicadores mantêm-se. Ainda assim destacamos dois pormenores preocupantes para as “águias”:
- O FC Porto é o grande “carrasco” do Benfica também neste capítulo, com nada menos do que 41(!) dribles somados nos dois confrontos directos, sendo que no último, dos 20 que os “dragões” totalizaram, 15(!) foram concluídos já no terço defensivo benfiquista (75%).
- Sendo verdade que esta fragilidade se vem mantendo constante ao longo da época, a média de dribles consentidos já no terço defensivo aumentou, de 4,0 nas primeiras dez jornadas para 4,7. Ou seja, o Benfica permite no geral o mesmo número (excessivo) de dribles, mas está a permiti-los mais perto da sua baliza, nas últimas dez jornadas.
- Nenhum jogador permite mais dribles a cada 90 minutos do que Julian Weigl (2,3), aos quais junta ainda 1,9 faltas cometidas por desarmes falhados. No último terço, onde o registo do alemão é de 0,8 dribles consentidos por jogo, juntam-se-lhe Tomás Tavares (1,3) e Grimaldo (0,9) entre as principais vítimas da “fantasia” adversária. Curiosamente ou não, este é um trio que tem sido titular nos últimos jogos.
O Benfica permite cada vez mais remates…
Os números não deixam dúvidas. O Benfica vem permitindo cada vez mais remates aos adversários. Este facto traduz-se numa conclusão tão simples como conclusiva:
- Nas primeiras dez jornadas os adversários precisavam de somar cerca de 27 remates para marcar um golo ao Benfica. Nas últimas dez conseguem violar as redes “encarnadas” uma vez a cada 14 disparos.
…em especial dentro da sua área
Mas se o total de remates pode ser considerado um indicador insuficiente, a quantidade de disparos que uma equipa permite dentro da sua área já dirá algo mais sobre a eventual existência de um problema defensivo e a sua evolução, dada a maior perigosidade associada a essas situações.
A tendência de agravamento dos problemas defensivos “encarnados” resulta clara, mais uma vez. O Benfica permitiu uma média de quatro remates na sua área por jogo, findas as dez primeiras jornadas. Esse registo, já pouco animador, saltou para os 6,4 nos dez últimos encontros, uma média que coloca o conjunto de Lage num modesto 7º lugar do ranking das equipas que permitiram menos acções deste tipo, no mesmo período.
O que mudou a partir da 10ª jornada?
É ponto assente que o Benfica dá sinais, desde o início da época, que é bem menos sólido defensivamente do que o número de golos sofridos na Liga vinha sugerindo, e que muito deve aos méritos do seu guardião, já aqui destacados.
Chegados a esta altura não faltam teorias, entre adeptos e especialistas. Uns atribuem maior responsabilidade aos centrais Rúben Dias e Francisco Ferro, face aos sinais de insegurança. Outros apontam às laterais, destacando a propensão ofensiva e suposta inspiração defensiva de Grimaldo ou referindo a lateral-direita como um eterno ponto fraco a colmatar. Outros ainda referem um meio-campo que nunca se terá refeito totalmente do natural ocaso de carreira de Fejsa, com alguns ainda a torcerem o nariz à entrada directa do reforço Weigl nas escolhas de Lage.
No meio disto tudo uma coisa é certa: a prolongada ausência de Gabriel Pires não irá certamente melhorar o cenário aqui quantificado, tendo em conta os méritos que lhe destacámos recentemente, insuficientes para, sozinho, estancar os registos identificados nesta análise.
Não colocamos de parte qualquer uma destas explicações ou até mesmo outras, mas optamos por manter-nos no papel de “municiadores de factos”. O que mudou então no Benfica, a partir da 10ª jornada, momento em que registamos o agravamento das fragilidades defensivas do Benfica?
Muito mudou certamente, entre apostas, lesões e novidades, mas apenas uma se manteve permanente desde então: a 11ª ronda coincidiu com os últimos 45 minutos disputados pelo “trinco” Florentino Luís na Liga. O médio foi substituído ao intervalo da visita ao Santa Clara, constituindo uma das opções de “choque” de Bruno Lage na tentativa de virar um resultado adverso, o que viria, aliás, a conseguir. Curiosamente, Florentino terminou esse encontro com o maior registo numa “disciplina” que tanta falta faz ao Benfica desde então: intercepções de passe (somou quatro).
Após essa substituição, Florentino não só não disputou qualquer minuto na Liga como apenas foi opção não utilizada no banco em duas ocasiões, tendo regressado apenas na recente disputa da meia-final da Taça de Portugal.
O “eclipse” de Florentino Luís, enquanto opção para Bruno Lage, poderia não passar de um pormenor se não registasse os seguintes méritos à 10ª jornada, véspera do seu “congelamento”:
- Florentino era, de forma destacada, o jogador benfiquista que mais passes antecipava e interceptava (4,3 a cada 90 minutos)
- Entre os jogadores mais utilizados (+450 minutos) apenas Rafa Silva batia o médio na cadência de desarme. Florentino seguia com uma média de 3,3 desarmes.
- O jovem médio era o segundo jogador “encarnado” que mais recuperações de posse garantia, cerca de nove a cada 90 minutos jogados. Acima dele apenas um jogador, e outro “desaparecido”: Andreas Samaris, com dez recuperações a cada jogo completo, nos cerca de 300 minutos jogados.
- Apesar do fulgor defensivo que os seus números apresentavam, Florentino era, entre os médios com maior propensão para o apoio defensivo, aquele que cometia menos faltas (apenas uma a cada 90 minutos, Samaris e Taarabt, por exemplo, aproximavam-se das três).
- Apenas um jogador batia o “trinco” no menor número de posses perdidas a cada 90 minutos e o seu nome (e posição) diz tudo sobre os méritos do jogador “desaparecido”: Vlachodimos. O “trinco” perdia apenas 6,7 posses a cada 90 minutos e, sendo certo que, na sua posição, é de esperar um bom desempenho nesta matéria, convém sublinhar que o seu registo batia qualquer médio-centro ou defensivo “encarnado” e até ambos os centrais.
- Caso pense que a pecha de Florentino estaria no contributo ofensivo desengane-se: mesmo sem brilhar nessa matéria, o jovem somava um registo idêntico ao de Gabriel Pires, na hora de contabilizar passes para finalização: cerca de um passe para remate a cada dois jogos.
- Florentino Luís apresentava o quarto melhor GoalPoint Rating do Benfica 6.26, entre jogadores com mais de 450 minutos disputados.
Nem tudo eram “rosas” no desempenho de Florentino (exemplo: a eficácia na disputa de duelos aéreos defensivos é um claro ponto de melhoria). No entanto, tendo em conta o momento do jogador à 10ª jornada, torna-se difícil perceber o “eclipse” a que foi votado nas opções, sendo a sua ausência o único factor constante desde o intensificar dos desequilíbrios defensivos de uma equipa que não hesita em expor-se defensivamente na procura da baliza contrária.
Mais do que apontar outros “culpados”, a verdade é que nenhum dos protagonistas, escolhidos desde então para a sua vaga foram capazes de replicar as virtudes específicas de Florentino e estancar os sinais de alarme que aqui partilhámos.
Bastará então relançar Florentino na titularidade para resolver o problema? Dificilmente a resposta passará apenas por aqui, não só porque o “congelar” de Florentino apenas agravou sintomas que já se vinham sentindo, como também pela necessidade do próprio jogador recuperar ritmo e confiança provavelmente perdidos, prioridades que ficaram patentes na última vez que foi chamado a jogar (Taça de Portugal).
Os números confirmam que Bruno Lage tem um problema complexo a debelar, daqueles que decidem campeões.
Os factos mostram também que este é um cenário que se manifesta desde o início da época e que pode ter sido agravado por opções que apenas quem está no comando poderá explicar.
O que é certo é que fica mais uma vez provado que o recurso complementar aos analytics permite analisar, complementar e, por vezes, antecipar diagnósticos decisivos ao sucesso no apito final.
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