João Félix: o balanço de carreira num momento de encruzilhada

-

“Quo vadis”, João Félix? Aos 24 anos, o avançado está na recta final de uma das temporadas mais decisivas da ainda curta carreira. Após despontar no Benfica e ter guiado os “encarnados” ao título na temporada 2018/19, o criativo protagonizou uma venda milionária para o Atlético de Madrid. Sagrou-se campeão espanhol na segunda época em Madrid, mas o rendimento foi sempre oscilando, ora devido a lesões, ora por decisões técnicas e tácticas de Simeone e, mais recentemente de Xavi. Em momento de convocatória garantida para o EURO 2024, fazemos o balanço da carreira de Félix.

O empréstimo ao Chelsea não teve um impacto desejado, tendo chegado aos quatro golos em 20 partidas, nuns “blues” sem identidade e à deriva, e o empréstimo ao Barcelona foi uma espécie de (quase) tudo ou nada em busca de redenção e de uma afirmação plena. O português iniciou a aventura catalã a todo o gás, mas foi decaindo de produção, à semelhança da equipa de Xavi, mostrando apenas alguns fogachos de grande brilhantismo, intercalados por algum apagamento. Com uma jornada por disputar na Liga espanhola, e após ter recuperado uma lesão que o afastou dos relvados várias semanas, contabiliza 43 encontros – 19 dos quais como suplente – em todas as provas, marcou dez golos e gizou seis assistências.

Decidimos olhar com mais pormenor para os números do internacional luso em três períodos, em 2018/19, quando “explodiu” na Luz, em 2021/22, a última temporada completa nos “colchoneros” e o que tem feito neste período nos “culés”.

Nos “encarnados”, num período que começou com Rui Vitória e acabou com Bruno Lage como timoneiro, actuava nas costas de Seferović com total liberdade de movimentos, sendo que esteve em campo em 26 ocasiões, distribuídos em 1712 minutos, fez 15 “tentos”, sete assistências, contribuiu com 1,16 acções para golo a cada 90 minutos, uma média de 6,7 acções na área contrária, 68,7% de ocasiões flagrantes convertidas (um excelente valor), 3,5 remates, 9,62 passes progressivos recebidos e uma eficácia de 50% nos dribles. Sofreu, ainda, 2,7 faltas, consentiu quase dois desarmes, 14,3 perdas de bola e 3,2 recuperações de bola.

No Atlético de Madrid o protagonismo era outro, numa equipa mais reactiva e que não assumia tanto o jogo. No período já mencionado, Félix carimbou 24 partidas, ou seja, 1260 minutos de utilização, marcou oito golos, realizou quatro assistências, 0,86 acções para golo a cada 90 minutos, reduziu as acções na área adversária para 4,1, o mesmo em relação aos remates (2,8).

O timoneiro dos madrilenos preconizava um futebol mais objectivo em posse, as conduções progressivas foram em maior número – 2,1 contra as anteriores 1,1 -, assim como os dribles eficazes no último terço (54,8% contra 50%) e as faltas sofridas (4,1 – 2,7). Nas preocupações defensivas – um dos mantras de Simeone – destacou-se com 2,2 recuperações de posse, 0,6 alívios e 0,5 intercepções, ainda assim apenas melhorou nas intercepções em relação ao que fazia no Benfica, registando mesmo uma quebra na média de desarmes (0,7 – 0,4). Algo que não deverá ter agradado ao técnico argentino. 

[ Conduções progressivas (tracejados) dribles (estrelas) e faltas sofridas (triângulos) de Félix nas épocas em análise ]

Neste ingresso no Barça, mudou de posição, passando a actuar mais no corredor esquerdo, com liberdade para executar diagonais para a zona central, algo que também faz na Selecção Nacional com Roberto Martínez. O treinador dos “culés” elogiou o português e justificou o porquê de ter perdido espaço entre os titulares na fase final da temporada.

“O João ajudou-nos muitíssimo. Os números dele são muito bons, mas tem concorrência. Agora, está a jogar Raphinha na posição dele, está a um grande nível. Temos o Robert [Lewandowski] a jogar a ponta-de-lança, temos o Lamine [Yamal], que é um dos jogadores que mais tem jogado, ultimamente… Este ano, estão a um nível muito bom, por isso, vale o mesmo para o João, para o Ferran [Torres]. É a concorrência entre três jogadores que estão a um bom nível, com bons números. O João tem sido importante e tem de o ser até ao final da temporada”, explicou Xavi Hernández há algumas semanas, durante uma conferência de Imprensa.

Os números não são, de facto, nada modestos, destacando-se com 29 presenças no campeonato – 43 em todas as provas –, com 1510 minutos de utilização na La Liga, sete golos – dez no total –, três assistências (seis no total) e com 0,6 acções para golo a cada 90 minutos – uma contribuição ofensiva nestes dois capítulos de 29,4% consigo em campo -, 6,9 acções com a bola na área contrária, converteu com êxito 41,7% das ocasiões flagrantes, tem uma média de 3,5 remates a cada 90 minutos, criou 0,4 ocasiões flagrantes, somou 1,1 passes para finalização, apresenta uma eficácia de 83,4% na eficácia de passe, tendo baixado a eficácia nos dribles no último terço do terreno (36,1%) e os dribles em termos globais (31,9%). Sem a bola, acumula 1,3 desarmes a cada 90 minutos, 0,5 intercepções e 4,1 recuperações da posse.

Conclusão: melhorias em 2023, minutos a fugir em 2024

Os números de João Félix esta época no Barça são positivos. Ditar um declínio acentuado de Félix na carreira é uma afirmação exagerada. O facto de estar amarrado a outras tarefas como não teve no Benfica acaba por afectar os seus desempenhos, que viram uma diminuição nos golos marcados, nas ocasiões flagrantes e um menor fulgor no drible – que também se explica pela maior exigência da La Liga.

Porém, paradoxalmente, o criativo luso tem demonstrado uma evolução notória nos momentos defensivos, nos desarmes, intercepções, recuperações de posse, uma entrega que bate, inclusivamente, a sua melhor época em Madrid, em 2021/22. Ainda assim, nenhuma se superioriza à que fez no Benfica, onde jogava atrás do ponta-de-lança, com liberdade para criar e finalizar. Estará, no seu posicionamento e continuidade, a explicação para grande parte da quebra e discussão sobre o seu futuro. Algo que os mapas acima, com conduções progressivas, dribles e faltas sofridas, mostram claramente. Liberdade no Benfica, “amarras” à esquerda no Atlético e no Barça. 

Porém… faltam minutos, cada vez mais. Nas últimas nove partidas Félix foi titular pelo Barça apenas uma única vez e sempre que saltou do banco nunca jogou mais de 35 minutos, sinal de que deixou de ser opção relevante para Xavi, pelo menos ao nível do que o foi no início de temporada.

De titular indiscutível, João Félix foi perdendo algum espaço e o futuro na Catalunha é um enorme ponto de interrogação. O empréstimo será prorrogado por mais uma temporada, vai regressar à casa de partida, o Atlético de Madrid, ou vai mudar de destino…?

Leonel Gomes
Leonel Gomes
Amante das letras, já escreveu nos jornais A Bola, Público e o O Jogo, dedicando-se também ao Social Media Management desde 2014. Tornou-se GoalPointer na "janela de mercado" do verão de 2019.